Uma perereca polinizadora? A hipótese foi levantada a partir de registros em foto e vídeo que mostram uma pequena espécie de perereca se enfiando dentro de flores maiores que ela para sugar néctar. Ao sair da flor, um clique fotográfico revelou o que nem mesmo os olhos dos pesquisadores perceberam na hora: o corpo dela estava coberto de pólen. A protagonista dessa história é a perereca-comedora-de-frutas ou perereca-de-bromélia (Xenohyla truncata), uma espécie exclusiva das restingas do estado do Rio de Janeiro e pouco conhecida até mesmo pela ciência. Enquanto a pergunta que abre este texto ainda aguarda uma resposta, que só será possível a partir de novas pesquisas, a pequena perereca – ameaçada de extinção – vê seu lar cada vez mais impactado e pressionado pela ocupação humana.
“Ninguém nunca tinha levantado a possibilidade de um anfíbio funcionar como polinizador. Existem mamíferos polinizadores, aves polinizadores, répteis polinizadores, mas entre os anfíbios não temos nenhum representante polinizador no mundo”, resume o herpetólogo Carlos Henrique Nogueira, do Laboratório de Sistemática e Biogeografia de Anfíbios e Répteis da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) em conversa com ((o))eco. Henrique fez os registros junto do colega e pesquisador Caio Antonio Figueiredo-de-Andrade, do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade NUPEM, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O registro foi feito ao acaso pela dupla de pesquisadores, em dezembro de 2020, durante um trabalho de consultoria ambiental para um empreendimento no município de Búzios, no litoral do estado do Rio de Janeiro. “Eu sabia que era uma área de ocorrência de Xenohyla, mas não estava esperando encontrar. E logo no primeiro dia de campo encontramos um indivíduo e eu fiz uma foto com o celular e pensei, ‘amanhã eu volto com o equipamento pra ver se encontramos o bicho de novo e eu fotografo’”, lembra o herpetólogo.
No dia seguinte, ao invés de um único indivíduo, Henrique encontrou um grupo em pleno banquete. “A gente deu a sorte de encontrar o bicho realizando o comportamento todo dele de alimentação, disputa por recurso, utilizando as bromélias, as árvores… ficamos a noite inteira observando os animais e foi a sorte de estar com a câmera fotográfica no dia para registrar”, descreve. Henrique se diverte ao contar os bastidores das imagens, “a maioria dos bichos estava em cima da árvore, a três metros de altura, e eu tive que subir no ombro do meu colega para fotografar e filmar, mas foto disso não tem”.
A Xenohyla truncata é uma perereca pequena que possui em média 5 centímetros de comprimento. As imagens feitas pelo pesquisador mostram que nas flores maiores, como a da frutinha-de-leite (Cordia taguahyensis), a espécie entrou com todo o seu corpo dentro da flor, por onde permaneceu por cerca de 5 minutos, ficando apenas com as pernas traseiras para fora, escoradas nas pétalas brancas dessa flor, que é nativa da Mata Atlântica e das restingas.
Com as patas traseiras apoiadas nas pétalas, a perereca se enfia dentro de uma flor da frutinha-de-leite, nativa da Mata Atlântica. Foto: Carlos Henrique de-Oliveira-Nogueira
Esse foi o primeiro registro de uma espécie de anuro (sapos, pererecas e rãs) se alimentando ativamente de néctar e flores na natureza, e a primeira evidência de que ele pode agir também como um polinizador.
“No momento a gente não percebeu, mas depois, editando as fotos em casa e olhando os vídeos, eu percebi que tinha pólen no corpo dela depois que ela entrou na flor. E isso que levantou a possibilidade de que ela possa atuar como polinizadora para as flores maiores”, conta.
Para confirmar se a Xenohyla é mesmo um agente polinizador é preciso fazer mais pesquisas. “Sabemos que para polinizar tem vários processos envolvidos. Precisamos saber se essa interação em que ele sai sujo de pólen só acontece com essa espécie de planta ou com outras espécies que também têm flores grandes. Se ela visita outras árvores floridas na mesma noite. São situações que demandam mais trabalho de campo de observação de comportamento. E não é tão simples, os bichos não saem todo dia, depende se está chovendo, se está calor, se está frio, se tem disponibilidade de alimentos, se tem árvore florida perto, árvore com fruto perto… Tem uma série de fatores. Por isso que essa observação foi tão singular, foi basicamente estar no lugar certo, na hora certa e ver as coisas acontecendo”, resume o herpetólogo da UFMS.
Para a polinização ocorrer de fato, o pólen precisa entrar em contato com o aparelho reprodutor da flor e, de acordo com a espécie de planta, esse processo pode ter particularidades.
“A Xenohyla visita várias flores e várias plantas ao longo da noite, quanto mais flor ela entra, mais suja de pólen ela fica. E na medida em que ela anda em outras plantas e outras flores, talvez ela possa fazer a polinização também”, acrescenta.
No caso das flores menores, a perereca come a flor inteira, como flagraram as imagens que mostram a Xenohyla comendo um lírio-germânico (Iris x germanica), espécie exótica originária da Europa e muito utilizada para fins ornamentais.
Ambos os nomes populares da espécie, “perereca-de-bromélia” e “comedora-de-frutos”, revelam aspectos importantes da ecologia da Xenohyla truncata, que passa a maior parte da sua vida dentro de bromélias que fornecem abrigo e água; e que se alimenta não apenas de inseto como a maioria dos anfíbios, mas também de flores e frutos, sendo inclusive um dispersor de sementes na restinga.
É justamente sobre a dieta desta perereca que se debruça o artigo publicado no final de março no periódico científico Food Webs, liderado por Henrique junto com outros sete pesquisadores. Com o nome “Entre frutos, flores e néctar: a extraordinária dieta da perereca Xenohyla truncata”, em tradução livre para o português, a publicação se baseia nos registros e nas observações feitas pela dupla de pesquisadores, que não realizaram a coleta de nenhum dos indivíduos observados.
“A maior parte do que se sabe de Xenohyla truncata é de material de coleção, de museu. Todas as informações sobre dieta eram de análises de conteúdos estomacais de animais já depositados em coleções científicas ou de fezes de animais coletados em trabalhos antigos. O trabalho mais recente de alimentação era de 2006, que foi justamente com bichos de museu. Por isso as informações eram muito escassas. O que se sabia é que o animal come partes vegetais porque encontraram pedaços de flor, de folha, de fruto e sementes de frutos – que precisavam ser de um tamanho que o bicho conseguisse engolir”, explica Henrique.
As observações feitas por Henrique e Caio também revelaram que a Xenohyla se alimenta de frutos maiores que ela própria. Ao invés de engolir o fruto, entretanto, ela arranca pedaços e vai comendo aos poucos.
“Nós vimos os bichos saindo do abrigo, as bromélias, e começando a subir em algumas plantas que estavam florescendo e começar a abocanhar essas plantas e isso chamou muita atenção. Tinha um bicho que tinha engolido uma flor inteira praticamente e estava fazendo um movimento de sucção. E quando paramos para reparar tinham vários outros escalando as plantas do lado das bromélias, tanto as rasteiras quanto as árvores, e indo em busca diretamente de frutos e de flores. Isso foi o mais incrível. Nós vimos três indivíduos disputando a proximidade por um fruto, eles se empurravam para disputar e o que ganhou abocanhou o fruto e ficou arrancando pedaços e sugando esse fruto [uma frutinha-de-leite], que era quase do tamanho dele”, lembra o herpetólogo.
Uma distribuição restrita
A pequena perereca frugívora é endêmica das restingas, ou seja, ocorre apenas neste tipo de ambiente costeiro associado à Mata Atlântica e historicamente destruído pela ocupação humana. Os registros da espécie concentram-se entre Mangaratiba e Rio das Ostras, no litoral do estado do Rio de Janeiro, sendo a maioria dos estudos realizados na restinga de Maricá.
Mapas mais antigos indicavam que a espécie tinha uma distribuição mais ampla, que chegava até a divisa com São Paulo, ao sul, e se prolongava mais ao norte fluminense, até o município de São João da Barra. “Nós não sabemos se era uma projeção, com a possibilidade de ocorrência da espécie até esses lugares, ou se de fato essas populações existiram lá em algum momento e já desapareceram. Talvez existam outras populações, a gente só não achou ainda”, pondera o herpetólogo Henrique Nogueira, da UFMS.
Uma busca no limite norte da espécie
O município de Rio das Ostras, destino de turismo e veraneio no litoral do estado do Rio de Janeiro, a cerca de 170km da capital, é considerado o limite norte de ocorrência da perereca-comedora-de-frutos. Apesar do vizinho Macaé abrigar uma enorme restinga protegida pelo Parque Nacional Restinga de Jurubatiba, um lar em potencial para a Xenohyla, não há nenhum registro da espécie no município.
No dia 13 de abril, ((o))eco acompanhou o pesquisador Henrique Nogueira e quatro estagiários da Coleção Herpetológica da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), em busca da perereca na Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) de Itapebussus, em Rio das Ostras.
O trabalho começou às 16:30, ainda com a luz do sol. Como era o primeiro campo da equipe no local, a maior luminosidade ajuda a fazer o reconhecimento do território e identificar as áreas com maior potencial de abrigarem a perereca. A atividade destes animais, assim como outros anfíbios, começa apenas com o cair da noite.
O abrigo ideal para esta perereca, explica Henrique, são as Neoregelia cruenta, bromélia nativa da Mata Atlântica facilmente identificada pelas pontas rosas nas folhas. Esta planta possui um tanque capaz de armazenar a água da chuva, o que faz dela um verdadeiro micro habitat e o abrigo ideal para vários anfíbios. O ambiente também precisa ser florestado, com bastante sombra e disponibilidade de alimentos.
“E além disso ela precisa que essas bromélias sejam relativamente próximas de áreas alagáveis, porque a espécie se reproduz em poças temporárias. Então no período chuvoso as áreas perto das bromélias vão alargar e o animal vai sair da bromélia e vai para as poças, vai reproduzir lá, colocar os ovos, os girinos vão se desenvolver nessas poças temporárias e os jovens é que vão voltar pras bromélias e se dispersar para habitar novas áreas”, detalha Henrique.
“E aí imagina, você tem as bromélias e a área que era alagável se torna um condomínio. É o que acontece aqui em Rio das Ostras, por exemplo. Aqui do lado da lagoa é casa. E às vezes era a área que bicho usava para dispersar os filhotes, os juvenis. Então o bicho vai lá na lagoa ou numa poça próxima, reproduz e na hora dos filhotes saírem para buscar novos ambientes e colonizarem novas áreas, ele vai parar num quintal ou dentro de um condomínio, vai cair na estrada e ser atropelado, vai encontrar um animal doméstico, gato e o cachorro, e vai ser predado, ou até mesmo vai encontrar uma pessoa que de repente vai matar o bicho. Enfim diversas situações, tudo basicamente pela fragmentação da restinga”, desabafa o herpetólogo durante a busca.
Por cerca de quatro horas, a equipe se dividiu pela restinga, cada um com sua lanterna, às vezes em pé, às vezes agachados ou curvados para investigar melhor o interior de uma bromélia. Nesse meio-tempo, outros anfíbios deram as caras: como a perereca-capacete (Aparasphenodon brunoi) e o sapo-pigmeu (Rhinella pygmaea). Até mesmo um belo exemplar de uma cobra-veadeira (Corallus hortulana) apareceu para deleite da equipe.
Num último esforço, a equipe decidiu estender as buscas na parte da restinga mais próxima à praia. Ali, a menos de 1 quilômetro das casas do bairro Floresta de Gaivotas, que se estende até onde os limites da ARIE permitem, eis que a protagonista desta reportagem finalmente apareceu.
Um único exemplar – um juvenil de dorso amarelado, barriga esbranquiçada e olhos avermelhados – que devia medir menos de 4 centímetros. A pequena perereca havia saído da bromélia para um galho de árvore, onde talvez estivesse em busca de frutos ou flores para comer.
“Se o jovem está aí, os adultos também estão”, comemora Henrique. “É importante colocar esse ponto no mapa da distribuição da espécie, com a confirmação de que o bicho está aqui na ARIE”, acrescenta.
O herpetólogo aponta ainda a importância de trazer os estagiários da UENF, a nova geração de pesquisadores, para conhecer a espécie. “Eles vão ser os responsáveis por dar continuidade às pesquisas sobre Xenohyla. É um dos poucos anfíbios que come fruta, talvez o único anfíbio do mundo que poliniza, tem muita pesquisa para ser feita, as perguntas estão postas. Os bichos estão aí e precisam ser estudados”, reflete Henrique.
Ele acredita que com o artigo sobre o potencial polinizador da Xenohyla, que extrapolou inclusive a bolha científica, outros pesquisadores possam se interessar em pesquisar a espécie e a própria sociedade a conhecer e admirar mais essa pequena notável. “E assim a gente vai descobrindo um pouquinho mais sobre esse bicho, porque tem pouquíssima informação e consegue proteger melhor”, completa.
Restingas: um ecossistema exposto e ameaçado
Na última avaliação de risco de extinção da espécie, concluída em setembro de 2017 pelo ICMBio, a Xenohyla truncata foi classificada como Vulnerável. O texto da avaliação alerta para a forte pressão humana sobre as restingas através do desmatamento e da ocupação urbana desordenada.
Além disso, o ICMBio chama atenção para a relação intrínseca da perereca com as bromélias. “A principal bromélia que [a espécie] utiliza (Neoregelia cruenta), apesar de abundante e amplamente distribuída na costa sudeste do Brasil, também vem sofrendo com a degradação e perda de seu habitat, além de pressão do comércio ilegal de plantas ornamentais”, avalia.
O Código Florestal determina que todas as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, são Áreas de Preservação Permanente (APP). Na prática, isso não impede que este seja um dos ecossistemas mais ameaçados do Brasil. No litoral fluminense, poucas áreas nativas sobreviveram à urbanização e ao ritmo acelerado da especulação imobiliária e do turismo nos destinos de “sol e praia”.
A ARIE de Itapebussus, em Rio das Ostras, é uma das poucas unidades de conservação que protegem o lar da perereca-comedora-de-frutos. O Parque Estadual Costa do Sol e as Áreas de Proteção Ambiental (APA) de Mangaratiba e de Maricá também resguardam pontos importantes de ocorrência da espécie.
De acordo com as informações da última avaliação do ICMBio, até 2016 restava apenas cerca de 21% de vegetação nativa de restinga na região costeira do estado do Rio de Janeiro, o único lar da perereca-comedora-de-frutos.
“A restinga está desaparecendo. Apesar dela estar no litoral do Estado do Rio de Janeiro, não é uma coisa contínua. Por exemplo, na própria cidade do Rio de Janeiro, capital, quais são as áreas de restinga preservadas? Quase nada. E aí a gente pega outras cidades litorâneas, Búzios, Cabo Frio, a Região dos Lagos toda, o que mais tem é condomínio e casa na beira da praia. Então a gente tem esse tipo de vegetação bem fragmentada ao longo da costa e por consequência todas as espécies que dependem da restinga estão desaparecendo”, ressalta Henrique.
O herpetólogo alerta que um dos grandes problemas da fragmentação é a viabilidade genética dessas populações que estão cada vez mais isoladas. “A tendência é que em algum momento a espécie se torne inviável ou, no longo prazo, se torne uma nova espécie”, aponta.
Estudos mais detalhados sobre a distribuição assim como a estimativa populacional da espécie são algumas dentre tantas lacunas que a ciência precisa preencher para mensurar quão crítica é a situação da Xenohyla truncata.
Outra pergunta a ser respondida é qual o papel destas pererecas tão especiais, dispersoras de sementes e potenciais polinizadoras, para a manutenção da própria restinga. “Imagina se a Xenohyla desempenha um papel crucial para a sobrevivência de alguma espécie que a gente ainda não sabe? E aí é um ecossistema ameaçado, tem plantas ameaçadas. E se essas plantas estiverem ameaçadas porque determinada espécie de sapo não existe mais ali ou vice-versa, né? São muitas perguntas para serem respondidas ao longo dos próximos anos e próximas pesquisas”, provoca Henrique Nogueira.
Estratégias de conservação
Iniciado em 2015, o Plano de Ação Nacional (PAN) para Conservação da Herpetofauna Ameaçada da Mata Atlântica da Região Sudeste do Brasil, coordenado pelo ICMBio – órgão federal responsável pela gestão da biodiversidade –, tem como alvo 37 espécies ameaçadas, entre elas a Xenohyla truncata.
O PAN abrange uma área de 510 mil km², entre os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, e inclui uma vasta faixa litorânea de restingas.
“Dentre as principais ameaças à biodiversidade dessa região, a perda de habitat destaca-se como o fator que mais influenciou a situação das espécies ameaçadas, haja vista que dos 510.196,5 km² da área de abrangência do PAN restam apenas 64.892 km² como remanescentes de vegetação nativa. Esse cenário foi provocado pela extração madeireira, uso intensivo do solo, expansão urbana e industrial desordenada, degradação dos manguezais e das restingas e construção de hidroelétricas. A caça e comércio ilegais de animais, turismo invasivo de forma desordenada e a introdução de espécies exóticas também ameaçam as espécies nativas desse bioma”, detalha trecho do Sumário Executivo do PAN, publicado em 2019.
O 1º ciclo do PAN (2015-2020) teve como objetivo reduzir e mitigar as ameaças – como perda de habitat e espécies exóticas invasoras – sobre as espécies-alvo e promover a geração de conhecimento e divulgação de informações sobre estes animais ameaçados para a sociedade. Renovado para um 2º ciclo, o PAN reuniu diversos atores no final de março deste ano para elaborar as ações prioritárias dos próximos cinco anos.
“No caso da Xenohyla, o principal ponto é a conservação de habitat, a regeneração de restinga. É replantar restinga. E claro, evitar condomínio, casa e rodovia na beira da praia, lixo… uma série de ações que, na maioria das áreas [de ocorrência da espécie] é um beco sem saída porque não tem como tirar as construções que já estão lá. Mas talvez recuperar as áreas de entorno, aumentar a fiscalização e impedir novos empreendimentos seja o melhor caminho”, avalia Henrique.
O herpetólogo lista ainda a possibilidade de um esforço para reprodução da espécie em cativeiro e a possível reintrodução ou reforço populacional.
A Área de Relevante Interesse Ecológico
A Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) de Itapebussus foi criada em 2002 pela prefeitura de Rio das Ostras para proteger a Mata Atlântica e ambientes de restinga e mata de tabuleiro, que se estendem em parte do litoral do município. Com cerca de 900 hectares, abrange praias que se tornaram um dos grandes pontos turísticos do município.
“Até o momento não foi feito nenhum levantamento populacional da espécie [Xenohyla truncata] na ARIE de Itapebussus”, explica o biólogo Jolnnye Abrahão, superintendente de Gestão Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca de Rio das Ostras, em resposta a ((o))eco.
O superintendente é responsável pela gestão de todas as quatro unidades de conservação municipais. Além da ARIE de Itapebussus, há a Área de Proteção Ambiental (APA) da Lagoa de Iriry, o Monumento Natural dos Costões Rochosos e o Parque Natural Municipal dos Pássaros.
Jolnnye comenta que a espécie foi registrada primeiramente nos trabalhos de campo para elaboração do plano de manejo da ARIE de Itapebussus, homologado em 2004. Na época, era a única unidade de conservação no município com registro da Xenohyla truncata. Durante os recentes trabalhos de campo, para revisão do plano de manejo das áreas protegidas de Rio das Ostras, foi constatado que a perereca também ocorre na APA da Lagoa de Iriry. Os planos ainda não foram homologados.
“As ações para a conservação da espécie, assim como outras espécies relevantes, como Ololygon littorea (perereca-de-bromélia), Rhinella pygmaea (sapo-cururu) e Nyctimantis brunoi (perereca-de-capacete), que são consideradas espécies de ocorrência rara com risco iminente e dependentes de ambientes litorâneos com boa qualidade ambiental, estão indicadas na revisão dos planos de manejo”, adianta o superintendente.
De acordo com o biólogo, nos planos em revisão existem ainda indicações para análise das relações ecológicas e seleção de habitat entre a herpetofauna e bromélias, “já que diante da baixa disponibilidade hídrica, as bromélias-tanque – capazes de armazenar até seis litros de água – representam os maiores reservatórios no contexto local e funcionam como lugar de abrigo e reprodução para inúmeras espécies de anfíbios”.
Um resort controverso
A construção de um resort na zona de amortecimento da ARIE de Itapebussus tem deixado ambientalistas da região em alerta. A área prevista para implantação do empreendimento está localizada no Mar do Norte, na vizinhança imediata da unidade de conservação. A área, entretanto, conforme aponta o superintendente, é considerada no zoneamento como um Núcleo Urbano. “Portanto, a área é urbana e destinada ao desenvolvimento de atividades econômicas de baixo impacto”, afirma Jolnnye Abrahão.
De acordo com o superintendente, o resort foi enquadrado como “atividade de implantação de empreendimento turístico”, classificado como porte pequeno e potencial poluidor médio. Portanto, a tipologia do empreendimento não incorre na elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), aponta Jolnnye, e com isso o licenciamento pode ser conduzido em âmbito municipal. Foi elaborado apenas o Estudo de Impacto de Vizinhança, realizado no âmbito da Secretaria de Manutenção de Infraestrutura Urbana e Obras Públicas (SEMOP).
Um abaixo-assinado virtual, que já soma mais de 1.300 assinaturas, organizado pela sociedade civil, posiciona-se contra o empreendimento e a avaliação da prefeitura de que o projeto seria de “baixo impacto”. Além dos impactos ambientais, o texto alerta para o risco de perda de material arqueológico, como sambaquis e cerâmicas, e a não realização de uma audiência pública.
“Embora os impactos negativos sejam imensos, apenas um único estudo foi realizado, o Estudo de Impacto de Vizinhança”, ressalta o abaixo-assinado. A mobilização faz um apelo ao Ministério Público Estadual para que as licenças de supressão vegetal sejam anuladas e “que solicite os estudos adequados ao porte conforme localização do empreendimento e sejam realizadas as devidas audiências públicas”.
A realização eventual dos estudos de impactos ambientais poderia apontar a ocorrência, ou não, da ameaçada perereca-comedora-de-frutos, Xenohyla truncata, na área prevista para construção do resort, além de outras espécies em risco de extinção.
O ambientalista e guia de turismo Anderson Ribeiro, morador de Rio das Ostras, pontua ainda os possíveis impactos negativos para saúde pública e saneamento. “Rio das Ostras foi uma das cidades que mais cresceu no estado do Rio de Janeiro nos últimos 10 anos, porém a infraestrutura não acompanhou, tanto no saneamento quanto na saúde. Uma estrutura de um Resort em área sensível, zona de amortecimento de uma unidade de conservação, complica mais ainda a situação. Não vejo possibilidades de um empreendimento desses sem graves impactos”, afirma o ambientalista que também é coordenador-geral do Caminho de Rio das Ostras, trilha de 30 quilômetros que percorre a ARIE de Itapebussus
“Estamos todos muito preocupados com o rumo que está tomando nossa maior beleza natural que é a ARIE de Itapebussus que pode estar apresentando os seus primeiros sinais de urbanização”, alerta.
Nesta quinta-feira (27), às 15:00, será realizada uma reunião pública organizada pela Comissão de Educação, Esporte e Meio Ambiente da Câmara Municipal de Rio das Ostras para debater o licenciamento do “Samba Resort” e a autorização para o corte de 279 árvores no local. O evento será no Plenário da Câmara.
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