STF julgará se lei que veda hidrelétricas no rio Cuiabá é constitucional

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Com mais de 700 quilômetros de extensão, o rio Cuiabá, em Mato Grosso, pertence a sub-bacia hidrográfica de nome homônimo, que possui uma área de mais de 22 mil quilômetros quadrados, e abrange mais de uma dezena de municípios do estado. Importante componente da geração de renda, seja pelo turismo ou pela pesca, o rio também forma, culturalmente, a região – o nome da capital de Mato Grosso, por exemplo, leva seu nome: Cuiabá. 

O curso d’água é ainda um dos principais canais de abastecimento da maior área úmida continental do planeta, o Pantanal, estando situado na parte alta da bacia do Alto Paraguai (Bap), também denominada planalto. Da região, onde estão rios – como o Cuiabá – e nascentes, escoam a maior parte da água que chega até o bioma, que está situado já na parte mais baixa da Bap, a chamada planície. 

Mas é sobre o destino deste importante curso d’água que um julgamento agendado para esta semana no Supremo Tribunal Federal (STF) deve se debruçar. Isso porque a suprema corte irá julgar, a partir desta sexta-feira (28), uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que quer invalidar a lei estadual que proíbe a construção de usinas hidrelétricas no rio. 

No curso d’água, barramentos podem representar a obstrução do trânsito de peixes, de sedimentos e, na pior hipótese, da própria água entre o curso d’água e o Pantanal, que tem sofrido com a perda de cobertura de água nos últimos anos. Pelo importante papel de manutenção do bioma, o rio é considerado uma “zona vermelha” para a implantação de empreendimentos hidrelétricos, segundo aponta estudo contratado pela Agência Nacional de Águas (ANA). 

Entretanto, esse cenário não impediu que ele tenha se tornado o alvo de um projeto que pleiteia junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT) a licença para a construção de um complexo de seis pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) em um trecho de 190 km, na área de seis municípios banhados pelo rio: Cuiabá, Várzea Grande, Jangada, Nobres, Acorizal e Rosário Oeste. 

A lei, que atualmente impede a construção de qualquer empreendimento hidrelétrico no rio Cuiabá, é resultado de mobilização que se formou contra o projeto. O temor em torno das ameaças que um empreendimento desse porte poderia causar mobilizou a sociedade civil em Mato Grosso, mas também em Mato Grosso do Sul – intervenções no rio podem ocasionar impactos em outras regiões do bioma, que está inserido majoritariamente no estado vizinho, e não apenas em Mato Grosso.

Ações contra a lei

De autoria do deputado Wilson Santos (PSD-MT), o projeto de lei (PL) nº 957/2019 foi aprovado no ano passado, mas recebeu o veto do governador Mauro Mendes (União Brasil-MT), que entendeu a matéria como inconstitucional por interferir em “competência privativa da União” – mesma justificativa apontada pela Associação Brasileira de Energia Limpa (Abragel), autora da ADI 7319 que será julgada a partir desta sexta. 

A matéria, entretanto, foi promulgada na forma da Lei Estadual nº 11.865 depois de os deputados da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) terem derrubado o veto a proposta.

Mas além da ação da Abragel, a lei também se tornou alvo de uma ação, a ADI 7323, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Com o mesmo objetivo, as duas ações foram protocoladas no ano passado e consideradas procedentes pelo ministro Edson Fachin, que é relator de ambas. 

Entre fevereiro e março deste ano, tanto a Advocacia Geral da União (AGU), que representa o governo federal, quanto a Procuradoria Geral da República (PGR), que representa o Ministério Público Federal (MPF), se manifestaram favoráveis às ações e pela inconstitucionalidade da lei que proíbe usinas no rio. 

O governador Mauro Mendes também se manifestou favorável às duas ações, através da Procuradoria Geral do Estado (PGE). No documento, Mendes ainda reforçou o pedido para que as ADIs fossem julgadas procedentes pelo STF. 

“É flagrante a inconstitucionalidade formal orgânica, na medida em que se trata de norma inserida na competência privativa da União para legislar sobre águas e energia, bem como para explorar os bens de seu domínio e dos potenciais de energia hidráulica, e para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, o aproveitamento energético dos cursos de água”, disse trecho da manifestação da PGE.

Já a ALMT, através de sua Procuradoria Geral, defendeu que as ações contra a lei fossem indeferidas. “No âmbito da competência concorrente, relevante sublinhar a competência suplementar dos Estados na medida em que a competência da União refere-se ao estabelecimento de regras gerais, cabendo aos Estados complementar a legislação federal através de normas específicas justamente por serem os verdadeiros entes conhecedores das peculiaridades regionais”, disse trecho da manifestação. 

“Em outras palavras, os Estados possuem maior propriedade no desenvolvimento e sustentabilidade regional, não havendo que confundir a titularidade de um bem com a competência para legislar sobre a proteção do meio ambiente que o alberga”, acrescentou o documento. 

Tanto a ação da Abragel quanto da CNI estavam concluídas para o voto do relator e aguardavam a data do julgamento pela suprema corte até março, o que mudou apenas neste mês, quando o início do julgamento virtual da ação movida pela Abragel foi pautado para esta sexta. A ((o))eco, a assessoria do STF disse que o voto de Fachin deve entrar no sistema a meia noite. Os demais ministros terão até o dia 8 de maio para inserirem seus votos. 

Na última semana, a CNI solicitou à Fachin que a ação movida por ela também fosse julgada pelo STF nesse mesmo período. Até esta quarta-feira (26) o relator não tinha se manifestado sobre o pedido. 

O Rio Cuiabá tem papel importante na regulação dos ciclos de cheia e vazante do Pantanal. Foto: Michael Esquer.

Julgamento decisivo

Paula Isla Martins, bióloga e analista de conservação na organização não governamental Ecologia e Ação (Ecoa), conta que a lei que está sendo judicializada abriu precedente para que outros rios, do Pantanal e também de outros biomas, sejam protegidos da construção de usinas. 

“O julgamento é importantíssimo porque é uma oportunidade do Judiciário mostrar que a proteção do meio ambiente é um dever de todos os entes federativos”, diz ela, que coordena também a Rede Pantanal, um coletivo formado por mais de 50 organizações não-governamentais, movimentos sociais, comunidades tradicionais e populações indígenas. 

Para o biólogo Gustavo Figueirôa, o que será decidido a partir do julgamento desta semana pode colocar em cheque os esforços da sociedade civil, que se mobilizou contra os empreendimentos no rio Cuiabá. “Conseguimos uma vitória importante, que está correndo o risco de ser anulada pelo entendimento de que é o governo federal que tem que legislar. O estado pode, sim, tornar leis para proteção ambiental mais restritivas”, defende Figueirôa, que é diretor de comunicação e engajamento no Instituto SOS Pantanal.

“Preocupa muito porque as PCHs vão voltar a ser um grande risco para a bacia do rio Cuiabá”, completa o membro da entidade que integra o Observatório Pantanal – coalizão composta por 43 instituições socioambientais atuantes na Bacia do Alto Paraguai (BAP) no Brasil, Bolívia e Paraguai entidade.

Em março, uma comitiva composta pelo autor da lei, o presidente da ALMT, o deputado Eduardo Botelho (União Brasil-MT), e a presidente da Associação do Segmento da Pesca de Mato Grosso (ASP-MT), Nilma Silva, se reuniram com Fachin.

Santos disse que no encontro foi apresentado a Fachin votos, de situações semelhantes à que será julgada este mês, onde a decisão valeu-se do princípio do Federalismo Cooperativo. “Esse é o entendimento de que estados, Distrito Federal e municípios também podem legislar de maneira concorrente à União, principalmente, em duas áreas: saúde e meio ambiente”, contou o parlamentar a ((o))eco. 

Segundo o autor da lei, Fachin causou boa impressão ao receber a comitiva. “Estamos confiantes de que o parecer dele vai ser pela manutenção da lei que proíbe a construção de hidrelétricas no rio Cuiabá”, contou o deputado. “Tem agressões ambientais que se tornam irreversíveis, então é melhor você restringir certas ações”. 

A decisão do ministro, porém, assim como a do pleno do STF, só será conhecida de fato ao final do julgamento, que está previsto para o começo da segunda semana de maio.  

O ingresso de organizações como “amicus curiae

Em fevereiro, Fachin admitiu o ingresso como “amicus curiae” (amiga da Corte) do Sindienergia (Sindicato da Construção, Geração, Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica e Gás  no Estado de Mato Grosso) na ADI da Abragel. Esse mês, seis organizações não governamentais ingressaram com o mesmo pedido de admissão na ação. 

“Para contribuir na formação do convencimento desse Supremo Tribunal Federal a respeito da questão em debate na ADI”, explicou o documento, que é assinado pelo Instituto SOS Pantanal; Ecoa; Instituto Centro de Vida (ICV); WWF-Brasil; Fórum Nacional de Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (Fonasc-CBH); e Instituto Gaia – entidades que atuam com temas diretamente relacionados ao bioma.  

O pedido das Ongs, que se trata do mesmo feito pelo Sindenergia, não tinha sido analisado até o começo da semana, e foi este um dos motivos que levou à última manifestação da PGE da ALMT ao STF, na quinta-feira (20). No documento, a Casa de Leis solicitou novamente a apreciação do pedido das entidades, o que foi atendido nesta segunda-feira (24), quando Fachin permitiu o ingresso das organizações como amicus curiae

Ainda na manifestação, a ALMT enfatizou que o julgamento foi agendado sem que um outro pedido tivesse sido analisado por Fachin: “A colheita de manifestação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico sobre os fatos”, explicou o documento. O ministro, porém, indeferiu o pedido. “Sem prejuízo de que as informações pertinentes sejam trazidas pelas partes”, esclareceu o despacho de Fachin ao mesmo tempo.

Um último pedido feito pela ALMT foi que o julgamento fosse realizado em sessão presencial, e não online como o previsto. A solicitação não tinha sido respondida até esta quarta-feira (26). 

“Desastre ecológico”

“É uma ameaça muito grande porque se essa lei for invalidada, uma nova lei federal precisa ser aprovada para restringir a instalação de usinas no Pantanal”, diz Figueirôa ao mencionar o que ele acredita ser o risco de “um desastre ecológico” para o bioma, caso este tenha no rio Cuiabá a instalação de empreendimentos hidrelétricos. “E até essa lei ser aprovada, abre-se uma brecha na legislação que permite a instalação dessas PCHs”, acrescenta.

“A invalidação dessa lei significa a morte do rio Cuiabá”, completa a bióloga da Ecoa, ao enfatizar que o curso d’água é o principal berçário de peixes migradores da região, ou seja, “aqueles que crescem na planície mas se reproduzem no planalto”, explica ela. 

Entre todos os rios que integram a Bap, por exemplo, é este o rio que produz a maior quantidade diária de ovos de peixes migradores durante a piracema: são cerca de 100 milhões de ovos por dia, segundo aponta estudo contratado pela Agência Nacional de Águas (ANA). 

“Como a pesca é a atividade que mais gera trabalho e renda no Pantanal, esse impacto vai além do meio ambiente passando por toda cadeia da pesca, que inclui pescadores profissionais e amadores, isqueiros, hotéis, piloteiro, entre outros”, conclui a bióloga. 


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