STF decidirá se abordagem policial feita com base na cor da pele é válida ou racista

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Policiais militares fazem abordagens em São Paulo / Crédito: Marcelo Camargo / Arquivo Agência Brasil

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) começaram a julgar nesta quarta-feira (1/3) um habeas corpus em que irão discutir como o racismo estrutural afeta as abordagens policiais no Brasil. De um lado, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) e organizações não-governamentais defendem que existe racismo institucional quando policiais usam estereótipos de cor e socioeconômicos no Brasil para fazerem suas abordagens. Do outro lado, a vice-procuradora Geral da República, Lindôra Araújo, defendeu que o julgamento é sobre o crime de tráfico de drogas e não pode ser estendido como um “problema sociológico” que é o caso do racismo.

No caso em julgamento pelos ministros, uma pessoa foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) a 7 anos, 11 meses e 8 dias de reclusão, em regime fechado, por tráfico de drogas, por ter sido flagrada com 1,53 grama de cocaína, na cidade de Bauru (SP). No Superior Tribunal de Justiça (STJ) a pena foi diminuída para 2 anos e 11 meses de reclusão, em regime aberto. No STJ, os ministros discutiram o racismo estrutural na abordagem policial. O habeas corpus 20.824 então chegou ao Supremo e continuará a ser julgado na sessão de quinta-feira (2/3).

No STF, o acusado, as entidades não governamentais e a Defensoria Pública paulista entenderam que a discussão principal do processo não está na quantidade de drogas apreendidas ou na pena em si, mas sim, na abordagem policial. A Defensoria Pública argumenta que a polícia fez uma filtragem racial ao abordar o condenado, uma vez que a “fundada suspeita” estaria assentada essencialmente na cor da pele do suspeito, configurando exemplo de perfilamento racial, portanto, a abordagem policial seria nula por falta de suspeita legalmente válida para a revista pessoal.

Na tribuna, o defensor público do Estado de São Paulo Fernando Rodolfo sustentou que a abordagem policial de um homem negro, encostado em um carro na rua às 11h da manhã demonstra como o racismo está enraizado nas instituições brasileiras. “Estamos diante de uma prova ilícita, de uma abordagem construída através de uma perversa lógica de racismo, do racismo estrutural, que replica uma histórica supressão e opressão de direitos da população negra, construção de cenários de exclusão e invisibilidade população negra, criminalizando o corpo negro em ação estatal racista”, afirmou.

“Não se pode proceder no processo penal tratamento estigmatizado, inferiorizado, de um grupo étnico-racial qualquer, transportando para dentro da persecução penal a prática de racismo, que é repudiada pela Constituição da República, porque tal situação quebra a isonomia no devido processo legal, onde se aquilata a formação da culpa para privar um grupo de sua liberdade e seus bens injustificadamente”, acrescentou.

A vice-procuradora da República, Lindôra Araújo argumentou que o caso em análise não versa sobre racismo, mas, sim, sobre um crime de tráfico de drogas e se o julgamento caminhar para esse sentido há um risco de um “salvo conduto” coletivo. Ela cogitou a hipótese de que após o julgamento poderá haver um “habeas corpus coletivo por tráfico por entender que todos os presos foram presos por racismo”.

Em sustentação oral, Lindôra Araújo disse que os depoimentos foram claros de que havia tráfico, visto que se trata de um lugar de comércio de drogas. Para ela, a pergunta sobre o tipo físico feita pelos investigadores é para que haja identificação do agente envolvido no ato criminoso, portanto, foi dito cor negra, mas poderia ser branca ou asiática. “Não tem nada a ver com o crime de racismo. Não foi parado porque era uma pessoa de cor negra. É outra motivação. Estamos julgando uma pessoa que cometeu um crime e não dá para estender isso para um problema sociológico”.

A representante da PGR afirmou ainda que o racismo não é “privilégio” brasileiro, que há crime de racismo em países como Estados Unidos e Portugal. “Não podemos esquecer que a droga é droga e é prejudicial em qualquer lugar, não é porque a pessoa é de cor preta ou de cor branca que deverá ser isenta por isso”, defendeu.

A posição dos amici curiae

Entidades como Conectas Direitos Humanos, Instituto Terra Trabalho e Cidadania, Iniciativa Negra Por Uma Política Sobre Drogas e Justa e Instituto Brasileiro de Ciência Criminais atuaram como amici curae. Essas organizações alegam que a existência do racismo institucional e do perfilamento racial no Brasil que já foi reconhecida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos no Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil (2021) e também deve ser reconhecida pelo STF.

Esses grupos defendem que o termo “fundada suspeita”, previsto no artigo 240 e seguintes do Código de Processo Penal para justificar a abordagem policial sem mandado judicial, deve ser delimitado pelo Poder Judiciário. Eles também condenam a falta de previsão legal quanto à obrigação de o policial registrar dados minimamente detalhados das abordagens. Argumentam que a ausência de transparência impossibilita a elaboração de relatórios mais precisos sobre os locais e o perfil das pessoas abordadas. Denunciam também a falta de clareza dos protocolos empregados pelas polícias militares, o que impossibilita a fiscalização da sociedade civil e do Poder Judiciário.

As entidades apontam ser necessária a atuação do Poder Judiciário para deixar concreta a definição de “fundada suspeita” e, consequentemente, inibir atuação policial baseada em elementos de discriminação como raça, local da moradia e renda. Reforçam ainda que “a busca pessoal motivada por perfil racial é ilícita, pela ausência de motivação legítima e consistente da perpetração de um crime, apta a autorizar a adoção de medida extrema”.

“Nós precisamos criar um momento inicial para criação de protocolos objetivos para determinar o que seja ou não fundada suspeita, porque essa subjetividade que tem dentro do subconsciente coletivo, racismo estrutural, vai se propagando, cada dia que passa, ou corpos negros à morte em vida, levando-os para os cárceres, ou a morte levando-os aos cemitérios”, afirmou, na tribuna, Priscila Pamela Césario dos Santos, advogada do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

As entidades argumentam que, de 2006 a dezembro de 2016, o número de presos por tráfico aumentou em 272% e, consequentemente, houve um aumento de pessoas negras encarceradas. Apontam que, segundo dados do Infopen e do relatório World Prison Brief, do Institute for Criminal Policy Research, o Brasil é o terceiro país com maior população carcerária no mundo e 65,9% do total das pessoas em situação de cárcere são afrodescendentes, o que revela que “a raça tem sido o principal fator regulação da ordem social nesse país”.

“Em que país civilizado do mundo uma pessoa acusada de portar um 1,53 grama de uma substância entorpecente sofreria essa violência institucional, passaria por tamanho constrangimento de um Estado dito democrático de Direito, chegando a ser condenado a uma pena de mais de sete anos de prisão, tendo sido abordada por sua cor de pele desde o primeiro momento. Isto aparece no processo, na persecução penal. É a primeira frase dos agentes policiais, que foi sendo legitimada por todo o sistema de justiça criminal”, afirmou, em sustentação oral, o advogado da Conectas Direitos Humanos, Gabriel de Carvalho Sampaio.



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