Registro inédito confirma que ainda há harpias em Minas Gerais

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“Olha o gavião!”, gritou o sobrinho de Oswaldo, de apenas oito anos, enquanto eles passarinhavam em família em Almenara, no nordeste de Minas Gerais, no último domingo (25). Quando o engenheiro agrônomo olhou para cima, quase caiu para trás. A cerca de 20 metros de altura, estava o maior gavião de todos, o gavião-real, também conhecido como harpia. Esse encontro com a maior ave de rapina do país já seria uma história especial para qualquer observador, porém as fotos feitas por Oswaldo confirmaram que ainda há harpias na Mata Atlântica mineira, o que não era documentado há pelo menos um século. 

Ao todo, ele fez 86 cliques até que a ave voasse para fora de vista – “ia fazer um vídeo, mas não deu tempo” –, mas foi suficiente. E assim que ele publicou suas fotos na plataforma Wikiaves, a reação foi imediata. “Foi um registro extraordinário aqui para Minas Gerais, ainda mais porque conseguimos uma boa foto”, conta o engenheiro em conversa com ((o))eco. 

As fotos dele guardam uma informação ainda mais extraordinária: a harpia fotografada muito provavelmente não está sozinha, como esclarece o biólogo Everton Miranda, especialista ouvido por ((o))eco. Há um ninho, com um filhote recém-chocado e, naturalmente, um parceiro.

“O peito está tingido de marrom, isso indica que é um bicho que estava chocando durante a última chuva. É o tanino das folhas que deixa o peito assim amarronzado, pelo contato com as folhas durante os 55 dias de choca”, explica Everton. “Tem ninho por ali, a menos de 10 quilômetros dessa localidade”, completa.

As manchas amarronzadas do peito da harpia indicam que a ave estava nidificando recentemente. Foto: Oswaldo Rezende

A localidade em si é conhecida como Mata do Limoeiro e fica no município mineiro de Almenara, no extremo nordeste do estado, já próximo da fronteira com a Bahia. 

A harpia (Harpia harpyja), ocorre em áreas de floresta do México à Argentina. No Brasil, a maioria dos registros atuais está na Floresta Amazônica, mas a espécie ocorre até mesmo em enclaves florestais no Cerrado e no Pantanal. Enquanto na Amazônia a espécie ainda ocorre em boas densidades, na Mata Atlântica ela é cada vez mais rara – uma consequência direta de mais de cinco séculos de  desmatamento e degradação.

Há poucas localidades conhecidas atualmente para a ave no bioma, a maioria no sul da Bahia – como nas reservas particulares Estação Veracel e Serra Bonita, nos parques nacionais Pau Brasil e Serra das Lontras, e na Reserva Biológica Una. Também há localidades no Espírito Santo, principalmente nos municípios de Sooretama e Linhares, e no Rio Grande do Sul, no Parque Estadual do Turvo. “Em nenhum desses lugares tem uma população conhecida razoável. São sempre 1 a 3 ninhos”, conta o especialista Everton Miranda. Na Mata do Limoeiro, ele acredita que se trate de uma pequena família solitária, repetindo o padrão de outras áreas na Mata Atlântica.

Ele conta que há alguns relatos não documentados de avistamentos de harpia na Reserva Biológica da Mata Escura, que fica a menos de 50 quilômetros em linha reta da área da Mata do Limoeiro. “É possível que tenha algum ninho lá também, mas é uma chance modesta”, avalia.

Em 2003, no último registro confirmado pro estado até então, uma harpia foi documentada no extremo sul de Minas Gerais, em área de Cerrado. A espécie é classificada como Criticamente Em Perigo na lista estadual. Na última avaliação nacional, de 2014, ela é considerada “apenas” Vulnerável, porém com o alerta de que a população está em declínio devido, principalmente, ao desmatamento e perda de habitat.

A área de vida de uma harpia é de cerca de 50 km² (o equivalente a 5 mil hectares), que podem variar para cima ou para baixo, de acordo com variáveis como o grau de fragmentação da floresta e a abundância de presas. Além disso, a espécie faz ninhos apenas nas árvores mais altas, que normalmente são as de madeira mais exploradas e por isso, cada vez mais escassas.

Foto: Oswaldo Rezende

A Mata do Limoeiro, que possui esse nome por causa de uma fazenda que leva esse nome, faz parte de um conjunto de maciços florestados onde já foi registrada a presença de outras espécies ameaçadas, como o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). 

Tanto a presença de uma rica biodiversidade quanto a possibilidade de criar um corredor ecológico com a reserva biológica, fazem da Mata do Limoeiro uma área considerada prioritária para a conservação. A indicação dos pesquisadores para a necessidade de criar uma área protegida ali, entretanto, segue ignorada.

O engenheiro agrônomo Oswaldo Rezende, acompanhado de seus filhos e sobrinho, fotografam a harpia na Mata do Limoeiro. Foto: Acervo Pessoal

O registro, feito na borda da floresta, ajuda a reafirmar a importância dessa mata e de protegê-la, acredita Oswaldo. “Eu trabalho com consultoria ambiental e, na minha leitura, é uma área com potencial pra unidade de conservação muito grande, principalmente por ter uma rede de córregos e nascentes preservadas. Seria muito interessante aproveitar a existência da harpia nesse local para quem sabe, junto ao IEF [Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais] ou ao ICMBio, e fazer uma unidade de conservação nesse local”, reforça o engenheiro agrônomo.

O biólogo Henrique Mariano, integrante do Projeto Harpia – Núcleo Mata Atlântica, também comemorou o registro. “É uma esperança para a espécie na Mata Atlântica, visto que é um novo ponto de ocorrência visando a atual situação da espécie no bioma, indicando que a espécie ainda reside em outros pontos no sudeste do país. O gavião-real é um bioindicador de qualidade de floresta, ou seja, mesmo que aquela área ainda não seja uma área protegida e tenha certo grau de fragmentação é um habitat equilibrado”, avalia.

Henrique reforça ainda a importância da ciência-cidadã para detecção de espécies raras e ameaçadas. A plataforma Wikiaves é um excelente exemplo disso. Em fevereiro de 2022, com ajuda das fotos dos observadores, a ciência começou a mapear pela primeira vez a rota de migração da andorinha-do-caribe e da andorinha-cubana.


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