O resgate da governabilidade ambiental do Brasil 

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“Brasil, mostra tua cara! Quero ver quem paga, pra gente ficar assim!”

Cazuza

O pior do Brasil revelou-se no dia 24 de maio de 2023. O Congresso Nacional acelerou rumo ao marco temporal, que retira o direito das terras dos povos indígenas originários, destruiu mecanismos de proteção da Mata Atlântica e retirou atribuições inerentes ao Ministério do Meio Ambiente, enquanto o Executivo quedava silente. 

O Brasil, de DNA ambiental, apresentou ao mundo a face de seus parlamentares. Um Congresso Nacional de maioria retrógrada, corroída em princípios ambientais e sem sintonia com o século XXI. 

As bancadas congressistas surgem hoje mais afinadas com épocas coloniais, de visão apequenada. Como senhores da terra de antanho, desconhecem limites para os ecossistemas, desprovidos de elementos da ética clássica ou da sustentabilidade. 

No dia seguinte aos disparates ambientais do Congresso, o chanceler brasileiro Mauro Vieira ocupou a tribuna da Comissão de Relações Exteriores, referindo-se às exigências ambientais do acordo do Mercosul pelos europeus: “Não aceitamos que o meio ambiente – preocupação legítima e que compartilhamos – seja utilizado como pretexto para exigências despropositadas, para a adoção de medidas de viés protecionista ou, no limite, para retaliações descabidas”. 

Enquanto isso, a eurodeputada alemã Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação para relações com o Brasil no Parlamento Europeu, questionava na imprensa: “Se o meio ambiente e a proteção aos direitos indígenas estão ameaçados, eu fico imaginando quão confiável é o compromisso de Lula”.

O Presidente Lula tergiversou e converteu a responsabilidade colocando-a no colo da população: “Toda vez que a sociedade se assusta com a política e ela começa a culpar a classe política, o resultado é infinitamente pior”. 

Ora, a política não assusta a sociedade, que neste caso exerce seus direitos de cidadania para apontar as consequências da má política, inclusive a inércia da própria liderança do governo. Centenas de organizações civis protestavam por meio de manifesto, questionando “a diminuição da capacidade de o Brasil combater o desmatamento, de assegurar o equilíbrio no uso múltiplo das águas e de garantir a efetividade dos direitos constitucionais dos povos indígenas e a tutela dos direitos humanos”. 

Sonia Guajajara e Marina Silva, responsáveis pelas pastas mais afetadas, demonstraram ponderação quase tímida: “… o Congresso precisa também se conscientizar mais, se atentar para gente poder manter ali o equilíbrio. E que nenhum direito se sobreponha sobre o outro”, disse Guajajara, enquanto Marina afirmava: “Nós temos que resistir e vamos resistir manejando essas contradições, criando alternativas, buscando soluções e cuidando do legado”.

O governo do Brasil precisa reafirmar o que é. Deve fazer valer seu poder discricionário para estruturar de forma adequada a governança, reorganizando as instâncias afetas ao meio ambiente e às questões indígenas nas pastas vocacionadas. Deve vetar o PL 490, esse subterfúgio antiambiental que subverte direitos originários dos povos indígenas sobre seus territórios ao impor um marco temporal absurdo, que promove brechas legais para a continuidade e a intensificação das atividades predatórias do desmatamento e exploração pelo garimpo. Deve vetar e pleitear, se necessário, a inconstitucionalidade a MP 1.150, por dilacerar a Lei da Mata Atlântica. 

Deve deixar de ser só discurso e mostrar sua face de Estado, implementando forte e articulado processo de fiscalização para conter a criminalidade dentro do ecossistema amazônico, que já beira o ponto do não retorno. 

José Bonifácio de Andrada e Silva, no século XIX, defendia um Estado brasileiro moderno e civilizado, com instituições de credibilidade perante a nação e no Exterior. Defendia medidas contra o desmatamento para evitar a desertificação. Quase um século depois, o Barão do Rio Branco, afirmava: “O Brasil do futuro há de continuar invariavelmente a confiar acima de tudo na força do Direito e do bom-senso…” 

O Brasil deve defender e semear, com suas ações, o futuro para as próximas gerações.  Neste momento delicado para a política interna e na conjuntura civilizatória do Antropoceno, o governo de Luís Inácio Lula da Silva deve deixar o terreno pantanoso, onde estão se atolando os bons compromissos de seu discurso inicial, compromissados com a ampla defesa do meio ambiente e da participação popular. Essa perda ficou retratada na tímida quota de participação social delegada à nova composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), assim como na eleição das entidades ambientalistas, cujas consequências foram baixíssima participação e perda de representatividade. 

A sociedade brasileira tem núcleos amadurecidos e críticos com relação à qualidade da governança ambiental. Simulações diversionistas para acobertar negociações ambientais negativas, visando satisfazer e angariar apoio político dos setores mais retrógrados, não passarão despercebidas. Só empurrarão o Brasil para o ostracismo internacional e o descrédito interno. 

O governo federal do Brasil deverá reconsiderar sua promessa absurda em financiar, direta ou indiretamente, o gasoduto de Vaca Muerta na Argentina, que compromete a sobrevivência dos indígenas Mapuche. Também deve sanear, com ótica ambiental, sua dicotomia interna sobre a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.

A realidade é inegável e não aceitará engodos. Na era da informação e das mudanças do clima não cabem mais congressistas estouvados e governos propensos ao improviso. 

É preciso garantir os princípios constitucionais do Estado Democrático Ecológico, contextualizar a narrativa governamental com a realidade das fragilidades ambientais, objetivando intervenções na realidade que reafirmem valores e matrizes mais adequadas para o século XXI, resgatando assim os caminhos da governabilidade ambiental para o Brasil.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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