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O fim do Carnaval recolocou em movimento a discussão sobre a reforma tributária. O tema é tratado no Congresso Nacional em duas frentes: na PEC 45/2019, que tramita pela Câmara, e na PEC 110/2019, que tramita pelo Senado. Em comum, as duas propostas dão grande destaque ao futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um tributo unificado nos moldes do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que hoje vigora em boa parte dos países de economia desenvolvida.
O IBS, como um “IVA brasileiro”, compartilhará com seus similares estrangeiros – a exemplo do inglês Value Added Tax (VAT), do canadense Goods and Services Tax (GST), do argentino Impuesto al Valor Agregado (IVA) ou do português Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) – o mesmo propósito e características gerais.
Nomes à parte, o IBS é um IVA. Trata-se de um imposto de caráter geral e indireto sobre consumo, que pretende tributar toda a cadeia econômica de produção e distribuição de bens e serviços, e que permite, a cada etapa, a dedução do imposto pago. Ao final, o imposto também deve incidir sobre o “destino”, onde se verifica o consumo, recaindo sobre o consumidor final dos bens e serviços.
Quais são os objetivos de um IVA?
Do ponto de vista do governo, a adoção do IVA deve reorganizar um sistema tributário em base mais justa e racional, que garanta arrecadação e financiamento de políticas públicas. Deve ainda facilitar a fiscalização. Do ponto de vista do setor produtivo, a expectativa é que o IVA aumente a previsibilidade de cálculo do tributo, com efeitos macroeconômicos positivos na produtividade, no consumo e no nível de emprego.
São três os objetivos específicos de todo IVA:
- Ampliar a base de cobrança com unificação de tributos (superando, por exemplo, a frequente indistinção entre “produto” e “serviço”),
- Eliminar a cumulatividade de cobrança nas etapas da cadeia produtiva (impedindo o indesejado efeito cascata),
- Promover isonomia e uniformidade na tributação do consumo (eliminando distorções entre setores).
A adoção do IVA, no entanto, não termina na importação de um conceito. Um novo imposto, compatível com o sistema tributário nacional e com o modelo federativo brasileiro, exige a consideração de intrincadas variáveis, de grande impacto para a aprovação final da reforma – o que em boa parte explica o atraso brasileiro no tema.
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Quais são os pontos sensíveis do IVA?
A lista é grande e complexa: espécies de tributos a substituir (como só impostos ou também outras contribuições), competência para a instituição do imposto (com maior ou menor prerrogativa de União, estados e municípios), definição de alíquota ideal (em modelo único ou dual, com ou sem “sub-alíquotas”) e vinculação e destino da arrecadação (com qual percentual de parcela para os entes federativos).
Há ainda outros itens a decidir: extensão de benefícios fiscais (como na possibilidade de devolução do imposto ao cidadão de baixa renda) e modelo de transição (com mais ou menos período “teste” para contribuir e dividir os recursos).
Embora um consenso entre tributaristas, empresários e autoridades seja muito difícil, na prática, a discussão amadureceu bastante, e o governo quer colocá-la à prova no Congresso, com o avanço de tramitação da PEC 45/2019, na Câmara, e da PEC 110/2019, no Senado.
Em comum, as duas propostas criam um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) com tributação no destino, regras homogêneas, recuperação de crédito e mesma base de incidência. É um tributo que abrange bens e serviços, exploração de bens e direitos, tangíveis e intangíveis, e locação de bens. Desde 2019, as propostas aproximaram-se. Ambas preservam, no entanto, diferenças originais significativas.
Como funciona o IBS na PEC 45/2019?
A PEC 45/2019 foi apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e redigida em boa parte redigida pelo economista Bernard Appy, atual secretário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda. Nesta proposta, a instituição do IBS, o IVA nacional, substitui um conjunto de cinco tributos atualmente vigentes: IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS.
Pela proposta, o IBS possui natureza de tributo federal e deve ser instituído por meio de lei complementar federal, com com “alíquota uniforme para todos os bens, tangíveis e intangíveis, serviços e direitos”. Há, no entanto, atuação posterior dos entes federativos na determinação de suas respectivas “sub-alíquotas”.
O IVA nacional mantém-se único para o contribuinte, mas permite a cada ente federativo fixar uma parcela da alíquota total, pela via de lei ordinária federal, estadual ou municipal. A tributação, assim, pode variar no território nacional. O modelo não autoriza, no entanto, alíquota diferente por produto, serviço ou setor.
Quanto à partilha dos recursos, a proposta estabelece que os entes federativos têm direito a parte da arrecadação prevista pela “sub-alíquota”. O valor total dessa “sub-alíquota” contém uma parcela com destinação constitucional pré-estabelecida (a, por exemplo de saúde, educação ou demais fundos), e uma parcela desvinculada.
A implantação completa do IBS, no entanto, não será imediata. A PEC 45/2019 prevê um período de transição, tanto para a cobrança, como para a repartição da arrecadação. A extinção definitiva dos tributos a serem substituídos, acompanhada da vigência plena do IBS, tem prazo de 10 anos. Já a conclusão da partilha de recursos entre União, estados e municípios terá prazo total de 50 anos.
A PEC 45/2019, por fim, veda a concessão de benefícios fiscais. Para os defensores da proposta, elimina-se o risco de tratamento diferenciado. A seletividade alimenta a “guerra fiscal” que distorce o atual sistema. A proposta, no entanto, permite a devolução do IBS para contribuintes de baixa renda.
Como funciona o IBS na PEC 110/2019?
A PEC 110/2019, de autoria do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e outros senadores, repetia originalmente uma proposta do então deputado Luiz Carlos Hauly. Nessa proposta original, o IBS, equivalente ao IVA, deveria substituir nove tributos: IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS.
Na PEC 110/2019, no entanto, o IBS não tem natureza de tributo federal, como na PEC 45/2019. É tributo estadual. E deve ser instituído pelo Congresso Nacional, com poder de iniciativa reservado principalmente aos próprios Estados e Municípios.
A proposta também cria um IBS de alíquota padrão com aplicação uniforme em todo o território nacional. Permite, no entanto, alíquotas diferenciadas para certos bens, serviços ou setores econômicos, desde que também aplicadas uniformemente no território. A determinação dessas alíquotas dependerá de lei complementar.
Quanto à partilha dos recursos, a PEC 110/2019 prevê que a arrecadação do imposto será definida constitucionalmente a partir da receita bruta do IBS, com o repasse de cota-parte. Percentuais específicos definem a entrega direta de recursos (a fundos constitucionais variados) ou estabelecem um piso mínimo de gastos para o ente federativo (destinado a saúde ou educação, dentre outros exemplos).
A PEC 110/2019 define ainda uma transição mais célere. São cinco anos para a redução de alíquotas e a extinção de tributos antigos, simultâneas ao aumento de alíquota do IBS e a total implantação do imposto equivalente ao IVA. A transição no modelo de partilha começa após a efetivação do novo imposto, e dura mais dez anos. A parcela de receita depende do tamanho da participação do ente federativo na arrecadação.
Ao contrário da PEC 45/2019, a PEC 110/2019 autoriza a concessão de benefícios fiscais no IBS em algumas operações especiais. Como exemplo, benefícios podem valer para alimentos, medicamentos, transporte público urbano, saneamento básico, educação infantil, fundamental, médio e superior, além de educação profissional. Também é possível a devolução do imposto para o cidadão de baixa renda.
Como evoluiu a discussão das propostas?
A discussão no Congresso alterou e aproximou as propostas com o tempo. Um exemplo está no relatório final da Comissão Mista da Reforma Tributária, apresentado em maio de 2021. O documento estabeleceu um detalhado comparativo entre as propostas e elencou sugestões de aperfeiçoamento técnico.
Em março de 2022, um substitutivo alterou a formulação original da PEC 110/2019, incorporando à proposta uma ideia também contida no PL 3.887/2020, discutido à época do governo anterior. Trata-se da implementação de um IBS, ou IVA, de modelo dual, com a extinção de apenas cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) no lugar dos nove tributos originalmente previstos para substituição por um único IBS.
No lugar desse único IBS, a proposta sugere a rigor dois tributos, de papel complementar. De um lado, criou uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), uma espécie de “IBS federal” com propósito de substituir apenas PIS e Cofins.
Do outro, manteve um “IBS subnacional”, para substituir apenas ICMS e ISS. A substituição do IPI, nessa configuração, caberia ainda a um outro imposto distinto, de natureza seletiva e finalidade extrafiscal (como coibir o consumo de determinados produtos e serviços, a exemplo de bebidas alcoólicas e cigarros).
A mudança permitiria a gestão independente dos recursos. Facilitaria ainda a aprovação pelo Congresso, num cenário de notória disputa de interesses entre os entes federativos. Para seus defensores desse modelo, o IVA dual seria ainda melhor compatível com as particularidades do federalismo brasileiro.
O desenho das alíquotas e a concessão de benefícios fiscais também seguem dividindo autoridades e especialistas. De um lado, há quem defenda um IVA de alíquota estritamente uniforme como solução já verificada em países com o imposto. De outro, aponta-se que países desenvolvidos também adotam com eficiência a diferenciação de alíquotas com base na essencialidade de bens e serviços.
Como funciona o IVA em outros países
Mais de 170 países adotam algum modelo de imposto sobre valor agregado, segundo dados da Tax Foundation de 2022. À exceção dos Estados Unidos, onde cada estado tem o seu regime próprio de vendas e não há imposto federal de consumo, o IVA é consenso entre economias desenvolvidas e em desenvolvimento.
Há, no entanto, uma grande variedade de arranjos na adoção do imposto sobre consumo. São muitos os modelos de alíquota, de repartição de competência para instituição de um IVA ou da média de impostos cobrados por um governo.
Uma primeira evidência de complexidade está na adoção do modelo de alíquota, uniforme ou combinada. Alguns países adotam uma alíquota padrão em coexistência com alíquotas reduzidas (zero ou mesmo isenção), a exemplo de Suíça, Croácia, Egito, Eslovênia, Vietnã e Gana.
Outros países adotam o IVA com uma alíquota padrão, sem nenhuma previsão de alíquota reduzida, como Singapura (7%), Austrália (10%) e também países do Golfo Pérsico (5%). A opção pela alíquota uniforme é citada como modelo na justificativa da PEC 45/2019.
Quanto à competência, um bom exemplo a observar está na União Europeia, que tem hoje um dos modelos mais maduros de aplicação do imposto sobre valor agregado. No bloco, um conselho estabelece regras gerais aplicáveis a cada Estado-membro, que também podem fixar uma alíquota padrão em seu território, desde que não inferior a 15% e igual para produtos e serviços.
A discussão sobre as taxas médias praticadas em outros países suscita alguma confusão. A média da alíquota IVA nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) gira em torno de 20%. A taxa média da União Europeia está em 21%. Há exemplos de aplicação funcional do IVA acima e abaixo. No Japão, por exemplo, o imposto é 10%. Na Hungria, 27%.
No Brasil, uma das primeiras sinalizações do governo, feita pelo secretário Bernard Appy, indica a possibilidade de ação de uma taxa de 25%, mesmo número de Dinamarca e Suécia. Assim como na comparação entre os modelos de alíquotas, a comparação simples entre taxas médias também não oferece respostas evidentes, dada a diferença estrutural entre os regimes políticos, tributários e econômicos dos países pesquisados.
A comparação com outros países, como se nota, pode aumentar o campo de disputa sobre a reforma tributária brasileira. Mas também evidencia que a discussão nacional avança sobre um importante consenso, com o IVA no ponto de partida.
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