Tarcísio bate martelo para concessão do Rodoanel Norte, marcada por controvérsias ambientais

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A cena de Tarcísio de Freitas batendo com força o martelo em um leilão na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, chamou a atenção na quarta-feira (15). A ação fez parte  da concessão do Rodoanel Norte, trecho ainda inacabado do Rodoanel Mário Covas, rodovia que circunda a região metropolitana de São Paulo. Iniciada em 2012 e paralisada em 2018, a obra é marcada por irregularidades e entraves ambientais desde o seu início, o que levou a uma série de atrasos e paralisações. O traçado da via tem proximidade com a Serra da Cantareira, importante remanescente da Mata Atlântica na região metropolitana de São Paulo, uma das maiores florestas urbanas do mundo e parte da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo (RBCVSP).

Dar continuidade à construção do Rodoanel Norte foi uma promessa de campanha e ação considerada prioritária desde que o governador foi eleito, em outubro de 2022. Com 44 quilômetros de extensão no eixo principal, 3 ou 4 faixas por sentido e sete túneis duplos, o trecho passará pelos municípios de São Paulo, Arujá e Guarulhos. Trata-se da maior obra de infraestrutura do estado.

“Essa é uma obra que sempre contou com muitas lacunas no licenciamento, feito de uma forma muito precária. É uma rodovia sendo construída sobre uma reserva da Biosfera da Mata Atlântica, um absurdo que certamente não ocorreria em outras realidades – sobretudo em um contexto de mudanças climáticas como o que vivemos”, explica Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental).

O leilão ocorreu no dia seguinte à queda de liminar que solicitava a realização de uma audiência pública para a escuta da sociedade civil e das comunidades diretamente afetadas pelo trecho da rodovia. “Não é surpreendente que a liminar tenha sido derrubada, já que a ampla participação popular em decisões ligadas ao meio ambiente não é, certamente, um mecanismo caro a este governo”, completa Bocuhy.

O licenciamento ambiental para o trecho ocorreu já nos primeiros dias do novo governo, em 11 de janeiro. De acordo com a descrição oficial dos passivos ambientais para a concessão,  as obras de implantação tiveram seus Estudos de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto ambiental (EIA/RIMA) analisados pela Cetesb no Processo SMA nº 208/2010, a partir da emissão de licenças apresentadas entre os anos de 2011 e 2013.

Porém, de acordo com estudo baseado em dados de geoprocessamento realizado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, o  EIA apresentado pela Dersa, responsável pelo empreendimento, foi elaborado com base em um traçado com características diferentes do efetivamente verificado no território. O levantamento apontou ainda que as intervenções para a realização das obras têm pelo menos 14,7% de áreas de vegetação nativa e 30,9% de áreas antropizadas com vegetação associada, que se localizam em Áreas de Preservação Permanente (APPs), em seu percurso.

((o))eco entrou em contato com a assessoria de imprensa da Cetesb para esclarecer a atualidade das informações utilizadas no processo de licitação, mas não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto.

Obras da Rodoanel Norte serão retomadas com nova concessionária. Foto: Governo de São Paulo/Divulgação

Superfaturamento e abandono

A construção do Rodoanel Mário Covas teve início em 2001 e faz parte de um esforço para desafogar o já sobrecarregado tráfego de veículos na cidade de São Paulo, com a criação de uma rota alternativa para que veículos de carga não precisem adentrar às vias da capital paulista, além de ampliar a conexão com outras rodovias, como a via Dutra e a Fernão Dias. Hoje, a rodovia conta com aproximadamente 140 quilômetros e cruza 16 municípios.

As obras do trecho Norte tinham previsão de início para 2010, mas atrasos nos Estudos de Impacto Ambiental e questionamentos acerca de irregularidades orçamentárias fizeram com que o edital para a concorrência fosse lançado apenas em 2012.  Em janeiro do ano seguinte, a obra foi dividida em cinco trechos, o processo de concorrência foi executado e, em março, as obras tiveram início – com prazo inicial de execução de 36 meses.

Em dezembro de 2014, o desabamento de um túnel durante a construção, sob responsabilidade da OAS, demonstrou a fragilidade do planejamento técnico, que precisou ser reformulado, levando a novas desapropriações e elevando o custo estimados de R$ 494,7 milhões para R$2,5 bilhões. As irregularidades prosseguiram. De acordo com auditoria do Tribunal de Contas da União, a construção do trecho Norte do Rodoanel soma um superfaturamento estimado em aproximadamente R$7 bilhões até a paralisação completa das obras, após constantes pedidos de adiamento para a sua conclusão, em 2018.

Já em 2017, envolvidas em escândalos de corrupção e investigadas pela Operação Lava Jato, as empresas OAS e Mendes Júnior entraram em recuperação judicial e tiveram o contrato rescindido pelo governo de São Paulo. Sem qualquer fiscalização ou intervenção do Estado, começaram a proliferar ocupações habitacionais nos arredores da via inacabada e alguns trechos da estrada abandonada foram tomados pelo acúmulo de lixo e de entulho, principalmente na região próxima ao município de Guarulhos. 

“Esse trecho próximo a Guarulhos induz ao aumento do desmatamento,sobretudo nas proximidades da rodovia Fernão Dias. Essa é uma área importante por conta de todo o sistema Cantareira e de cabeceiras do rio Tietê. Por isso é necessário que as informações de EIA/RIMA sejam atualizadas e as determinações para o processo de mitigação sejam devidamente cumpridas, inclusive levando em conta legislações que têm a função de proteção aos territórios diante de mega obras”, explica Malu Ribeiro, diretora de políticas Públicas da SOS Mata Atlântica. Para ela, um dos principais desafios é evitar a consolidação de alças de acesso que favoreçam o desmatamento e as ocupações, principalmente nas áreas de manancial.

Ribeiro lembra que, embora Tarcísio de Freitas tenha uma forte relação com a Infraestrutura a partir das chamadas “soluções cinzas”, as Soluções Baseadas na Natureza (SBN) também precisam começar a ser enxergadas na estruturação de projetos, com a integração com as infraestruturas verdes e azuis. Tanto para o desenvolvimento do estado, quanto para cumprir com as expectativas da sociedade em relação às políticas ambientais voltadas para questões caras ao território, como a crise hídrica e a mitigação das mudanças climáticas.

Retomada do Rodoanel Norte irá pressionar florestas que protegem o Sistema Cantareira. Foto: Governo de São Paulo

Mitigação

Questionada por ((o)) eco sobre o processo de mitigação ambiental na retomada da construção do Rodoanel Norte, a Agência de Transporte do Estado de São Paulo informa em nota que serão realizados 1.000 hectares de plantio compensatório. Haverá, ainda, a implantação de travessias de fauna conforme programa de monitoramento – há, por exemplo, obrigatoriedade de implantação de 14 passagens aéreas para primatas, em locais a serem definidos por órgãos ambientais. A concessionária deverá implantar o Programa Carbono Zero, zerando as emissões de carbono geradas no âmbito de suas atividades.

 A Agência indica ainda que o leilão permitirá a retomada da obra, que vem se degradando desde  2018. A conclusão desafogará o trânsito da capital e diminuirá os congestionamentos nas Marginais Pinheiros e Tietê, conectará rodovias federais como Fernão Dias e Dutra e ampliará as rotas para o escoamento de cargas para o Porto de Santos, com redução do custos.

Com a nova concessão, o grupo Via Appia assume o compromisso de finalizar as obras da rodovia e poderá operar o trecho por 31 anos. Estão previstos R$ 3,4 bilhões em investimentos, incluindo os custos de operação. O trecho Norte do Rodoanel tem previsão de término para 2026. Estima-se que a obra já teve um custo aproximado de R$10 bilhões.

Gosto pelo martelo

A criação da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (SEMIL), criticada por ambientalistas ao desconsiderar a complexidade específica das políticas ambientais e relegar ao meio ambiente um espaço desfavorecido na estrutura governamental paulista já indicava uma tendência cinza, além de um apreço aos leilões por parte do novo governador.

 Ao anunciar o nome da engenheira Natália Resende para estar à frente da SEMIL, o governador de São Paulo destacou que a especialista em parcerias público-privadas havia feito com ele uma centena de leilões quando trabalharam juntos, principalmente durante a gestão de Freitas como Ministro da Infraestrutura do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

A intensidade das batidas do martelo na B3 demonstra o entusiasmo – e as prioridades – do governador por essa agenda. Em 2021, Freitas também bateu o martelo para a concessão da BR-163, rodovia que tem impactos diretos sobre as Terras Indígenas Baú e Mekragnoti, entre os estados de Mato Grosso e Pará, uma das áreas mais afetadas pelo garimpo ilegal no país. 

Uma liminar do Ministério Público Federal de Altamira (PA) havia suspendido a concessão do trecho mais estratégico da rodovia, entre as cidades de Sinop (MT) e Itaituba (PA) por irregularidades no pagamento do Componente Indígena do Plano Básico Ambiental (PBA-CI) para as manutenção dos territórios indígenas, considerando que os impactos apontados pelas informações de EIA/RIMA eram de longo prazo. 

A liminar foi derrubada pelo TRF-1 a pedido da União e, poucos dias depois, Tarcísio de Freitas, então Ministro da Infraestrutura, batia o martelo para fechar o negócio. Assim como ocorrido no Rodoanel Norte, as populações afetadas não foram devidamente escutadas.


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