Em uma sessão conturbada, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (30), por 283 votos a favor e 155 contra, o PL 490/07. O projeto libera Terras Indígenas para exploração de recursos naturais e fixa a tese do marco temporal, que define como passíveis de titulação apenas as terras indígenas ocupadas quando da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, entre outras mudanças.
A aprovação da proposta aconteceu em meio a intensos protestos pelo Brasil inteiro durante toda terça-feira. Indígenas de diversos povos se manifestaram em 20 diferentes estados do Brasil.
“Nós não queremos esse marco temporal, não aceitamos. Sabemos decidir o que estamos querendo. Querem impor como devemos viver. […] antigamente vocês fizeram da forma que vocês queriam, mas hoje a gente não aceita. Vocês querem acabar com a vida dos povos indígenas. Estamos pela vida, não ao marco temporal”, disse a liderança indígena da região do Alto Rio Negro, Belmira, do povo Baré, em fala nheengatu.
Ao longo do dia, diferentes organizações da sociedade civil publicaram suas opiniões contrárias ao projeto.
Cinco delas – Conectas, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Comissão Arns e Instituto Socioambiental (ISA) – enviaram, também nesta terça-feira, um apelo às Nações Unidas contra o projeto. Elas pedem que a ONU solicite ao Estado brasileiro o reconhecimento da inconstitucionalidade do projeto.
Personalidades e políticos também se manifestaram contra o PL 490.
Em sua conta no Twitter, a atriz Dira Paes pediu compromisso com o país e o futuro. “Esse futuro está sendo atacado no Congresso Nacional. Resistir só é possível se respeitarmos os povos indígenas, o meio ambiente e buscarmos outras formas de desenvolvimento. Sou contra esse projeto de lei!”
A chef Paola Carosella também disse ‘não’ à proposta. “O PL 490 não pode passar. É preciso sensibilizar toda a sociedade e parlamentares em defesa da Terra, da vida e dos povos indígenas. É uma questão humanitária”
No início da tarde, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, reforçou o pedido para que o projeto fosse retirado de pauta. Ela lembrou que ele traz consigo outros 14 projetos apensados, que trazem outros retrocessos aos povos indígenas.
“É muito importante que a sociedade conheça e saiba os riscos, os perigos que esse PL 490, se aprovado, representa, não só para nós povos indígenas, mas para toda a população. O PL inviabiliza todo e qualquer processo de demarcação de terras indígenas e ainda resgata a PEC 215, que transfere a atribuição da demarcação das terras indígenas do poder Executivo para o Legislativo. O PL flexibiliza o licenciamento ambiental e autoriza a entrada ou o acesso de terceiros em territórios de povos isolados”, disse ela.
Para a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) o projeto é “genocida”. “Nesse momento fazemos um apelo. Quem insistir em votar o PL 490, serão compreendidos como os Cabrais do século XXI, nesse genocídio legislado”, disse em Plenário.
Um seminário sobre o assunto, organizado pela Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais (CPOVOS) e pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR), previsto para a manhã desta terça-feira, foi cancelado por “motivos de segurança”. Cerca de 300 pessoas já estavam no local para participar do evento.
Na parte da tarde, já durante a votação em Plenário, o Partido dos Trabalhadores tentou adiar a votação, mas o requerimento foi rejeitado, por 257 votos a 123.
Ao longo da votação, parlamentares contrários à proposta tentaram diversas manobras para retirar o projeto de pauta, alegando inconstitucionalidades, mas os pedidos não foram aceitos.
Após a aprovação, parlamentares de esquerda tentaram minimizar os efeitos da medida com a apresentação de dois destaques, que retiravam trechos polêmicos do texto, mas ambos também foram recusados pela maioria dos parlamentares. O texto vai agora para análise do Senado.
A tese do marco temporal também está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento será retomado no início de junho e, caso o Supremo decida pela inconstitucionalidade da tese, o trecho do PL 490 que trata do assunto também será invalidado.
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