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Uma identificação equivocada fez com que uma cobra píton, nativa da África, fosse solta pelo Grupamento de Salvamento Florestal do Corpo de Bombeiros em pleno Parque Nacional da Tijuca, área de Mata Atlântica inserida na metrópole do Rio de Janeiro. A cobra foi confundida com uma jiboia (Boa constrictor), essa sim nativa do bioma e do país. A soltura foi realizada na sexta (03), no Setor Floresta, e uma foto da ação começou a circular, o que fez os biólogos rapidamente perceberem o equívoco. Desde sábado, monitores do parque começaram as buscas pela píton, que segue “foragida” e representa uma perigosa ameaça para o delicado equilíbrio da floresta carioca.
“Com certeza é uma píton”, respondeu prontamente o herpetólogo Rafael De Fraga, consultado pela reportagem de ((o))eco ao ver a foto feita durante a soltura. Junto com outros especialistas, o biólogo identificou a espécie como uma píton-real (Python regius), também conhecida como píton-ball, espécie nativa da África e muito cobiçada como “pet” por ser um animal muito dócil. “Provavelmente essa é a origem”, acrescenta o pesquisador da Universidade Federal do Oeste do Pará.
As primeiras buscas, no sábado, foram realizadas apenas pelos monitores ambientais do parque. No domingo, dessa vez com apoio do Corpo de Bombeiros, duas novas buscas foram realizadas, também sem sucesso. As buscas continuam nesta segunda-feira (06) e até o fechamento desta edição [às 14h00 do dia 06/03/2023] a cobra ainda não havia sido encontrada. Não há ainda previsão oficial de quanto tempo esse trabalho irá continuar.
“Assim que o Parque foi alertado sobre a soltura, começou a verificação para identificar o local e iniciar as buscas. É importante esclarecer que é totalmente proibida a liberação, sem autorização prévia, de animais exóticos dentro do Parque Nacional da Tijuca, pois há vários riscos para o ecossistema da Unidade de Conservação”, informa o Parque Nacional da Tijuca através de nota oficial.
Procurado por ((o))eco, o Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ) limitou-se a responder que: “O Corpo de Bombeiros realiza o resgate e soltura de milhares de animais por ano, sempre com técnica e cuidado para preservar a saúde do animal. O fato ocorrido não segue o padrão da corporação. Por isso, uma sindicância foi aberta para apurar as circunstâncias do caso”.
Entre as perguntas feitas pela reportagem estava o questionamento sobre qual o protocolo em ações de soltura, para garantir a identificação correta dos animais.
As pítons não possuem veneno e seu ataque é o bote e a constrição – assim como as jiboias brasileiras. Apesar de não representar nenhum risco para os turistas do parque mais visitado do Brasil, a presença de uma única píton solta na floresta é um grande risco ecológico.
“Existem várias espécies de píton em que a fêmea tem a capacidade de reproduzir sem precisar de fecundação por um macho, eles fazem partenogênese, e podem produzir dezenas de filhotes. Então vira praga rapidinho. Tem vários casos pelo mundo. No sul dos Estados Unidos, por exemplo, a situação está praticamente incontrolável”, ressalta o herpetólogo Rafael De Fraga.
No caso americano, mais especificamente na Flórida, os ambientalistas lidam com a invasão da píton-birmanesa, uma cobra super predadora que pode passar dos 5 metros e pesar quase 100 quilos. Já a píton-ball solta na Floresta da Tijuca é a “menorzinha” da família. Mede cerca de 1,50 metros e pesa cerca de 2 quilos, e sua alimentação é baseada principalmente em roedores e aves. Já seu horário de maior atividade é entre o pôr do sol e a noite, com locomoção majoritariamente por terra, apesar de ser capaz de subir em árvores.
“É uma espécie predadora não nativa de grande porte, pode chegar a 2 metros de tamanho e predar animais nativos como aves, lagartos, mamíferos. Por isso, pode acabar tendo efeito em populações destes grupos. Este tipo de liberação deve ser evitada, primeiro porque é uma unidade de conservação federal, que possui trabalhos de reintrodução e reforço populacional em andamento e este tipo de ação pode colocar em risco as populações que estão sendo reintroduzidas e outras populações”, avalia o biólogo Marcelo Rheingantz, coordenador-executivo do Refauna, iniciativa que tem reintroduzido espécies nativas como a cutia-vermelha, o bugio e o jabuti-tinga no parque.
O biólogo comenta ainda que além de ser uma espécie não nativa, o animal não passou por exames clínicos, nem de sangue, o que traz também o risco da píton transmitir patógenos e passar doenças para os animais nativos.
“Esta espécie tem potencial invasor, pois pode se reproduzir por partenogênese facultativa, não dependendo de um parceiro. Em outros locais do mundo, ela é considerada uma espécie invasora. Por isso, antes da liberação de um animal em vida livre, é imprescindível que se consulte um especialista para evitar que situações como esta ocorram e espécies não-nativas se tornem invasoras. Já temos na [Floresta da] Tijuca diversos exemplos de espécies não nativas que se estabeleceram, como o mico-estrela e o mico-de-cheiro”, completa Marcelo.
Jiboia ou píton? Uma confusão comum
A confusão entre pítons e jiboias não é de hoje. As duas famílias de cobras constritoras têm espécies que, ao olhar de um leigo, podem facilmente ser confundidas ou identificadas erroneamente.
Há menos de um ano, em abril de 2022, um erro similar foi feito pelo Batalhão de Policiamento Ambiental da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Na ocasião, foi feita a soltura equivocada de outra espécie de píton (Python bivittatus), também confundida com uma jiboia, numa área de Cerrado. A cobra foi recapturada depois de três dias.
“As pessoas que trabalham com resgate de fauna são super bem-intencionadas, mas não é a primeira vez que acontece este tipo de erro. É necessário criar um tipo de protocolo de consulta aos especialistas, o que não seria muito difícil de fazer, basta enviar uma foto”, reforça Rafael De Fraga.
Segundo o herpetólogo, uma das principais características para diferenciar jiboias de pítons é o padrão dos desenhos corporais. “Tem várias subespécies de jiboia e elas podem ser um pouco diferentes, mas elas sempre têm manchas ao longo do corpo que parecem uma silhueta de morcego. Essa acho que é a característica mais fácil de identificar. Porque as pítons têm várias espécies, mas os desenhos são bem diferentes. Então pelos desenhos do corpo é relativamente fácil diferenciar. Mas o mais importante é: se a pessoa está em dúvida, a melhor coisa é consultar um especialista”, destaca.
O especialista sugere ainda que seria fundamental que as instituições que trabalham com resgate de fauna fornecessem um treinamento básico de identificação para suas equipes, pelo menos para identificar as espécies mais comuns.
Um recado importante
Existem mais de 20 espécies de pítons, nativas de diferentes regiões da África e da Ásia. Várias delas são cobiçadas como animais domésticos, o que alimenta o comércio legal e ilegal dessas cobras para todas as partes do mundo, inclusive para o Brasil. Por serem “pets” não convencionais, que exigem cuidados especiais de alimentação e envolvem inclusive riscos maiores de acidentes (por mais que não sejam venenosas, o bote de uma píton pode doer), muitas vezes seus donos se arrependem ou simplesmente cansam de manter a cobra em casa. E isso pode levar à soltura irresponsável desses animais exóticos em áreas naturais.
Por isso, vale lembrar que os Centros de Triagem ou de Reabilitação de Animais Silvestres (CETAS e CRAS) recebem entregas voluntárias de animais – nativos ou exóticos. E, mesmo no caso de bichos adquiridos de forma ilegal, não há criminalização do cidadão que decidir entregá-los a um dos centros.
O Parque Nacional da Tijuca reforça em nota que denúncias de flagrantes, em vídeo ou fotos, sobre solturas irregulares de espécies exóticas ou até mesmo animais domésticos, podem ser feitas por e-mail para: [email protected]
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