As investigações sobre o criminoso assassinato do que seria uma família de onças-pintadas e que revoltou o Brasil na última semana chegaram a uma nova etapa. Isso por conta da prisão de um homem que é investigado pela suspeita de envolvimento no crime. Detido no município pantaneiro de Cáceres (MT) na última sexta-feira (31), ele transportava quatro cachorros da raça Americano em uma caminhonete, semelhantes aos que aparecem no vídeo compartilhado nas redes sociais, que mostra os felinos mortos.
A ((o))eco, a Delegacia Especializada de Meio Ambiente (Dema) disse que, por conta do estado em que os cachorros foram encontrados, o homem foi, inicialmente, preso por maus-tratos. O suspeito negou o envolvimento no crime cometido contra os felinos. Ainda assim, naquele mesmo dia, o órgão policial estadual informou que estava investigando se o homem era responsável pelo vídeo que mostra as onças decapitadas ao lado do filhote.
Em audiência de custódia realizada neste domingo (2) o suspeito foi solto por decisão do juiz Cláudio Deodato, da 4ª Vara de Cáceres (MT), que concedeu a ele liberdade provisória com a fixação de cautelares. O Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso não informou a ((o))eco do que se tratam essas medidas. Isso porque o processo corre em segredo de Justiça.
O órgão judicial ainda esclareceu que, na verdade, o homem tinha sido preso por suspeita de maus-tratos aos cachorros, “apesar de ter sido noticiado que ele foi preso por suspeita de maus-tratos às onças”. Mas a suposta ligação entre ele e o crime envolvendo os felinos está justamente na característica destes cachorros que, segundo disse a assessoria do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso, “suspeita-se, eram os mesmos do vídeo das onças”.
A ((o))eco, a delegada titular do órgão policial, Liliane Murata, conta que o suspeito teria sido contratado por um fazendeiro no dia 13 de março e dispensado no dia 31. “Ele foi contratado, a princípio, para trabalhar como vaqueiro. Para esse fim [de matar as onças] não está comprovado, existe a suspeita”, explica Murata.
A prisão aconteceu enquanto ele voltava para Cuiabá (MT). O fazendeiro foi ouvido pela polícia, mas também negou o crime. Segundo a titular da Dema, ele disse que contratou o homem apenas para a prestação do serviço de vaqueiro.
Dando continuidade a investigação e para descobrir quem matou e gravou o vídeo das onças decapitadas, a Dema cumpriu quatro mandados de buscas e apreensão neste domingo em Cáceres (MT) e em Várzea Grande (MT), cidade da região metropolitana de Cuiabá (MT), onde foram recolhidos celulares de pessoas conectadas ao suspeito. Os aparelhos serão periciados.
No celular do suspeito solto neste domingo ainda foi notado que alguns arquivos tinham sido deletados. “Vamos encaminhar para perícia para ver se recupera esses apagados”, diz a delegada. Se o vídeo que circulou nas redes teve origem no aparelho dele, isso será revelado após a análise.
A titular da Dema relata que as investigações chegaram até o homem após denúncia feita no início da última semana, pelo freteiro que o transportou de Cuiabá a Cáceres. “O denunciante falou que no trajeto da capital para o interior ele teria falado que receberia essa quantia, de R$ 5 mil, [para matar as onças]”, comenta.
O celular da esposa e de um amigo do suspeito também foram apreendidos. Isso porque, segundo o denunciante, teria sido ela a primeira pessoa a entrar em contato com ele para realizar o transporte do marido até o interior do município cacerense. “A gente só vai conseguir realmente esclarecer isso a partir da abertura do celular dele e dos outros”, enfatiza a delegada.
“Verificar se esse vídeo partiu ou não partiu dele, se ele teve participação nesse fato e realmente identificar se procede essa denúncia ou não, se ele é o autor desse crime ou não. É isso que nós estamos ainda em identificação”, acrescenta.
Caça por retaliação, uma ameaça
“Existem fazendeiros que pagam para que caçadores abatam as onças que rondam suas propriedades ou atacam seu gado. O abate por retaliação, que vitima onças que predam animais de criação, fica potencializado com a contratação de caçadores para eliminarem os animais”, conta a ((o))eco Yara de Melo Barros, coordenadora do Projeto Onças do Iguaçu – programa institucional que atua na manutenção da biodiversidade da região do Parque Nacional do Iguaçu, em Foz do Iguaçu (PR).
Sua opinião sobre o episódio que está sendo investigado em Mato Grosso se soma a da de diversas organizações ambientalistas, que desde a última semana cobram o endurecimento da Lei de Crimes Ambientais, que prevê uma pena de seis meses a um ano de prisão para quem mata, persegue, caça, apanha, utiliza espécies da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.
Para o biólogo Fernando Tortato, o episódio só veio à tona porque foi filmado e compartilhado. “Mas a gente sabe que a grande maioria das onças abatidas ninguém filma, ninguém documenta. Por mais trágico que ele seja, por mais impactante que ele seja, a dimensão do problema é muito maior”, conta ele, que é doutor em ecologia e conservação da biodiversidade e pesquisador do grupo conservacionista Panthera.
O especialista, que também estuda o felino no Pantanal, explica que a caça por retaliação é uma ameaça reconhecida para a onça-pintada em praticamente toda a sua área de distribuição. E por isso ele defende que é importante a criação de canais de diálogo com o produtor, para buscar soluções não letais para esse conflito.
“Ver onde que esse rebanho está dentro da fazenda, se é um lugar muito vulnerável ou não, manejar ele pro local que não é tão vulnerável. Nas áreas dos bezerros, que são animais menores que a onça ataca mais, usar cerca elétrica. Tem uma miríade de opções para reduzir essa vulnerabilidade e por consequência reduzir o conflito”, apresenta Tortato.
Ao mesmo tempo, porém, ele aponta que nem toda caça é por retaliação. Existem também aquelas situações em que se caça por caçar, prática para a qual a alternativa de diálogo citada por ele não serviria. Por isso, ele acredita que este seja o caso de um amplo debate da sociedade para buscar formas de asseverar a legislação vigente. “Porque elas vão saber que receberão uma punição severa que pode comprometer a sua atividade econômica, sua fazenda, seus funcionários”, comenta o pesquisador da Panthera.
Diante do vídeo que registrou o crime contra as onças-pintadas , um abaixo-assinado criado na última semana pelo movimento Todos Contra a Caça pressiona o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), para que dê andamento a projetos de lei (PL) que buscam o endurecimento da lei de crimes ambientais. Um exemplo é o PL nº 968/2022, que sujeita uma pena de três a cinco anos de reclusão, mais multa, para crimes previstos pela legislação que forem praticados contra felinos da fauna silvestre nativa. A petição já colheu mais de 42 mil assinaturas.
“Tem que endurecer, ter uma pena mais longa, está muito fácil para quem comete esse tipo de crime”, completa Yara Barros, que também é doutora em zoologia e integrante do Grupo Especialista em Planejamento de Conservação (CPSG).
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