Mato Grosso quer proibir pesca com fim comercial até 2029

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Um projeto de lei (PL) de autoria do governo de Mato Grosso quer proibir, por um período de cinco anos, o transporte, o armazenamento e a venda de peixes de rios do estado. A proposta busca mitigar a pesca predatória, mas pode colocar pescadores profissionais artesanais que dependem da pesca, especialmente na bacia do Alto Paraguai (Bap), em situação de vulnerabilidade social. Isso é o que advertem pesquisadores e organizações ambientalistas.  

Apresentado pelo Executivo Estadual nesta quarta-feira (31), o PL nº 1.363/2023 teve regime de urgência aprovado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) no mesmo dia. Com parecer favorável da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais (CMARHRM), a proposta só não foi apreciada em primeira votação nesta quinta-feira (1º) por conta de pedidos de vista. 

Segundo o Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), além de não justificar a celeridade, o governo do estado não apresentou estudos que fundamentassem a proposição. “Na realidade, o governo reapresentou um antigo projeto, outrora denominado Cota Zero. Agora, se chama Transporte Zero, como medida atenuadora”, disse a consultora jurídica e de articulação da organização, Edilene Fernandes. 

“O pescador é o que mais cuida do rio, porque ele depende dele saudável para fornecer o peixe que ele vai comercializar. […] O projeto que tinha que chegar aqui, corajosamente, é o que limita a construção de hidrelétricas nos rios de Mato Grosso, que impede que o agrotóxico chegue aos nossos cursos d’água, que recompõe as matas ciliares dos nossos rios, que impede que o esgoto a céu aberto chegue aos rios, que impede o assoreamento, que proíbe as dragas de funcionarem durante a piracema”, disse na sessão ordinária desta quinta Wilson Santos (PSD-MT), um dos deputados que pediram vista ao projeto. 

Para acrescentar e alterar vários dispositivos da Política Estadual de Pesca, a justificativa apresentada pelo governador Mauro Mendes (União Brasil-MT) é a “notória redução dos estoques pesqueiros em rios do Estado de Mato Grosso e estados vizinhos, tendo como principal razão a pesca predatória, que acaba por colocar em risco várias espécies nativas”, justificou, em mensagem encaminhada à Casa de Leis mato-grossense. 

Se aprovada, a proposta permitirá, entre 2024 e 2029, a pesca apenas nas seguintes modalidades: pesque e solte; captura de peixes às margens dos rios para consumo no local; e a captura para subsistência (consumo próprio). 

Vulnerabilidade socioeconômica

A ((o))eco, a pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso (IB-UFMT), Lúcia Mateus, explica que, apesar de propor-se a proibir a pesca predatória, o projeto, na prática, proíbe a pesca profissional artesanal em todo o estado. Essa modalidade de pesca é aquela praticada de forma artesanal por pescadores associados à colônias de pesca ou associações de pesca, com finalidade comercial. 

“O que pode ter um grande impacto social”, diz a pesquisadora, que é a representante titular da UFMT no Conselho Estadual de Pesca de Mato Grosso (Cepesca). 

Para o Observa-MT, o projeto “cava” um futuro de vulnerabilidade social para os pescadores que sustentam suas famílias com a venda de peixes. “Sob a alegação de que está buscando preservar a população de peixes e o turismo da pesca esportiva”, diz Fernandes. 

Da forma como está, projeto pode colocar pescadores profissionais artesanais em situação de vulnerabilidade, aponta o Observa-MT. Foto: Nelson Almeida/AFP

Quanto à redução do estoque pesqueiro no estado, mencionado no PL, a conselheira do Cepesca afirma que não há dados que subsidiem essa informação. “O dado que temos é para a Bap em 2018, que podem ser comparados com dados antigos. Mas esses números não demonstram queda na captura por unidade de esforço (métrica que compara a produtividade pesqueira)”, conta. 

Em um cenário onde houvesse declínio deste estoque no estado, diz ela, ainda falta a comprovação de que isso esteja, de fato, relacionado somente à pesca. “Quais são os dados que indicam que isso é efeito de sobrepesca?”, indaga. “A simples proibição sem um plano de monitoramento dos estoques não garante recuperação”. 

Da forma como está, o projeto atribui a responsabilidade do declínio do recurso pesqueiro somente aos pescadores, aponta o Observa-MT. “O declínio […] é resultado da convergência dos impactos socioambientais de projetos de exploração de energia, desmatamento, mineração, lançamento de poluentes e pesca predatória”, explicou Rafael Nunes, analista ambiental da organização.

Para a pesquisadora do IB-UFMT, a medida proposta pelo Executivo Estadual é drástica e afetará uma parcela socialmente vulnerável, que é o pescador profissional artesanal. “É preciso uma análise profunda”, defende. 

Conforme apurou ((o))eco, por este motivo, um grupo de conselheiros que integram o Cepesca, junto com organizações da sociedade civil, estão elaborando uma nota de repúdio contra a proposta, que é chamada de “PL do Fim de Pesca” no documento.  

“A redação do PL como se encontra não passou por debate no Cepesca, cuja função legal e constitucional é justamente assessorar o chefe do Executivo na formulação da Política de Pesca”, diz trecho da nota, a qual ((o)eco teve acesso. 

Impacto sobre a bacia pantaneira

Segundo o Observa-MT, a proibição da pesca e venda dos peixes por pescadores profissionais artesanais deve afetar, sobretudo, colônias nos rios Araguaia, Teles Pires e Juruena, mas, especialmente, na Bap, onde fica o Pantanal. “É onde temos o maior número de pescadores”, explica Lúcia Mateus. 

Essa bacia abriga cerca de 8 mil pescadores profissionais artesanais. Lá, a atividade movimenta anualmente cerca de R$ 70 milhões e ainda sustenta diretamente cerca de 30 mil pessoas. Os dados são de estudo contratado pela Agência Nacional de Águas (ANA).  

“Temos muitos pescadores na bacia do Alto Paraguai, e suas famílias dependem da pesca profissional artesanal para sobrevivência”, conta a conselheira do Cepesca. Estas, em geral, são pessoas que estão na pesca há muito tempo e não tem outra profissão. “Provavelmente terão dificuldade para entrar no mercado de trabalho. São pescadores que pescam legalmente, que respeitam a legislação, e que tem uma ligação cultural com o rio e com a pesca”, diz Mateus. 

Piraputanga, espécie migratória de alto valor comercial dentro da bacia do Alto Paraguai. Foto: Sérgio Veludo/Wikicommons

Auxílio para mitigar impacto 

Para mitigar o impacto econômico da proibição proposta, o projeto prevê um auxílio aos pescadores artesanais do estado. Este apoio seria concedido por um período de três anos, a partir de 2023. No primeiro ano, os pescadores receberiam um salário mínimo, no segundo, meio salário e, no último, um quarto de um salário. 

“Três anos de indenização, escalonada, decrescente no que tange ao valor e, ainda, os deixando sem qualquer meio de subsistência nos próximos dois anos. Sem recursos e com regras que limitam sobremaneira sua segurança alimentar”, alerta a consultora jurídica do Observa-MT, para quem o PL beneficia, claramente, o setor produtivo da piscicultura (criação comercial de peixes) e turismo estruturado. 

Próximos movimentos

Apesar de não ter sido votado hoje, o PL deve retornar à pauta já nesta sexta-feira (2), onde pode ser aprovado já em primeira votação. Durante a sessão ordinária na ALMT, Carlos Avallone (PSDB-MT), presidente da CMARHRM, disse que a proposta ainda vai ouvir os interessados e que, por isso, solicitou uma audiência pública para as próximas semanas. 

“Para que todos se mobilizem, coloquem suas posições, para que os pescadores, ribeirinhos, quilombolas, todos aqueles interessados […] estejam aqui com a gente e possam tratar desse assunto. Nada será feito de última hora. Nós vamos ouvir a todos”, disse Avallone. 


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