Guia de plantas da Mata Atlântica reúne conhecimento tradicional de quilombolas

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“Nós temos como viver com a mata em pé e é isso que nós queremos. O povo quilombola sabe muito bem como fazer isso, temos muitas sabedorias e com esse guia queremos que todos entendam isso: como saber respeitar cada espécie”. É com essa ideia, expressada pela quilombola Maria Tereza Vieira, que o Instituto Socioambiental (ISA) lança o guia “Do quilombo à floresta: guia de plantas da Mata Atlântica no Vale do Ribeira”, que reúne e detalha conhecimentos tradicionais para manejo de 52 espécies de plantas da Mata Atlântica, divididas em 25 famílias, e suas sementes.

O guia, que pode ser baixado gratuitamente, foi organizado por Bianca Cruz Magdalena, pesquisadora em etnobotânica e mestranda em antropologia, e registra o trabalho dos quilombolas que fazem parte da Rede de Sementes do Vale do Ribeira, parceira do ISA. Criada em 2017, a rede é composta por cerca de 60 coletores de sementes nos quilombos André Lopes, Bombas, Maria Rosa, Nhunguara e São Pedro, nas cidades de Eldorado e Iporanga, no sul do estado de São Paulo.

Os integrantes coletam sementes da região, uma das mais preservadas da Mata Atlântica – com cerca de 23% dos remanescentes atuais do bioma – e as vendem para iniciativas de restauração florestal, agroflorestas e viveiros. Em 2022, a rede coletou mais de duas toneladas de sementes de 98 espécies florestais, gerando R$ 242 mil em receitas, ou cerca de 4 mil reais para cada coletor. Segundo o ISA, até 2021 as sementes já tinham sido enviadas para 20 municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A técnica da muvuca, onde sementes de diferentes espécies são comercializadas juntas para serem plantadas de uma só vez, já havia sido utilizada para restaurar mais de 20 hectares de Mata Atlântica até aquele momento.

Capa da publicação.

“Mais do que um guia de plantas da Mata Atlântica no Vale do Ribeira, esse livro tem como objetivo ser um material de apoio aos coletores e coletoras, além de incluir a participação desses quilombolas cujas sementes possuem um potencial socioeconômico vinculado a história desses quilombos, seus saberes e suas práticas, não sendo coletadas ao acaso apenas pela rentabilidade, mas porque fazem parte da identidade desses territórios, são ‘sementes culturais’, como disse um dos entrevistados”, narra um trecho do guia.

O livro destaca ainda o Sistema Agrícola Tradicional (SAT) quilombola do Vale do Ribeira, reconhecido como patrimônio imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 2018, reunindo “senso apurado dos ciclos da natureza, as fases da Lua e o momento certo do plantio”, como diz outro trecho do livro. Segundo o ISA, a publicação tem o objetivo de “apoiar o trabalho de coletores e coletoras da Rede de Sementes do Vale do Ribeira e traçar estratégias de defesa da Mata Atlântica, além de valorizar os conhecimentos de convivência com o bioma”.

“É um conhecimento que a gente não aprendeu em nenhuma faculdade, que nenhuma faculdade ensina, só aqueles que recebem o conhecimento de pai pra filho. Então, esse guia ajuda tanto na parte do que a gente pode retirar de cada árvore para poder nos beneficiar, mas também a maneira que ela continue… a floresta viva, a floresta em pé”, frisou o quilombola João da Mota, um dos participantes do evento de lançamento do livro, realizado no último dia 24 no SESC da cidade de Registro (SP).


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