Quando o assunto é a Baía de Guanabara, a beleza da paisagem rivaliza com a poluição de suas águas. Um estudo com duração prevista de 18 meses promete injetar esperança no debate: em janeiro, a ONG Instituto Mar Urbano deu início a uma rotina de mergulhos semanais pela baía, para observação e registro — em vídeos e fotos de alta resolução — da fauna marinha local. O objetivo da equipe é “abrir a janela do fundo do mar” e mostrar para a sociedade que, mesmo em meio à poluição, o meio ambiente resiste. São bons exemplos dessa resiliência os flagrantes já feitos de espécies hoje ameaçadas de extinção.Biodiversidade
Biodiversidade
Sob o espelho das águas da Guanabara, pesquisadores do Instituto Mar Urbano já comemoram o encontro com cavalos-marinhos, tartarugas-verdes, peixes-pedra e peixes-morcego. Também avistaram bancos de corais e esponjas espalhados na região da barra, cuja presença reforça as chances de recuperação do ecossistema na região.
— O homem só preserva e ama o que conhece. Acredito que a sociedade vai ajudar a cuidar, se souber que ainda há vida na baía e o que ainda existe por lá — conta o diretor do instituto, o biólogo e fotógrafo Ricardo Gomes.
A expedição, batizada de Águas Urbanas, tem apoio das empresas OceanPact, de uso sustentável do mar, e Águas do Rio, concessionária responsável pelo abastecimento de água e esgotamento sanitário em 27 municípios do Estado do Rio, incluindo 124 bairros da capital.
— É uma redescoberta da baía, uma janela aberta para o fundo do mar. Nossa meta com a nova expedição é mergulhar por mais tempo e entender o comportamento dos animais — explica Ricardo Gomes, para quem o trabalho também será importante para levantar informações durante a evolução do processo de saneamento.
O Instituto Mar Urbano foi criado em 2017 com o objetivo de produzir conhecimento e conscientização ambiental. Com 412 quilômetros quadrados, a região hidrográfica da Baía de Guanabara envolve 17 municípios do estado. Boa parte desse universo — sistemas lagunares atingidos por fortes despejos de esgoto sem tratamento, por exemplo — encontra-se em estado avançado de degradação.
Em janeiro, no pontapé inicial do projeto, integrantes do Instituto Mar Urbano flagraram um espetáculo ao longo das praias de Copacabana e Ipanema: o desfile de algo em torno de 600 botos-cinza a caminho da Barra da Tijuca. A população desses indivíduos, que já foi abundante na baía, hoje não chega a 30 remanescentes.
A localização de outras espécies, portanto, é motivo para comemoração. Uma dessas descobertas recentes foi a de um polvo-pigmeu do Atlântico, animal de aproximadamente dez centímetros, escondido na Enseada de Botafogo. Essa foi a primeira ocorrência do pequeno animal da classe cephalopoda às margens do Estado do Rio. O polvo estava dentro de uma lata de cerveja descartada no fundo do mar.
— Fazendo uma analogia, é como se estivéssemos descobrindo uma nova espécie de primata na Mata Atlântica. Vimos um polvo-pigmeu que desovou numa lata, essa foi também a primeira vez que as larvas desse polvo eclodiram na frente de uma câmera. Foi um fato inédito na ciência, o registro do comportamento dessas larvas — comenta Ricardo Gomes.
Na faixa de seis a 15 metros de profundidade, peixes-morcegos, que são uma uma espécie costeira, podem ser vistos rastejando com auxílio de suas nadadeiras peitorais, que servem como patas para a locomoção no fundo do mar. Com hábitos noturnos, esses animais se alimentam com a ajuda de um pêndulo posicionado à frente da sua cabeça, que serve para atrair as presas. Apesar de não estar sob risco de extinção, esse peixe, como tende a se camuflar, costuma ser registrado com pouca frequência. O último avistado pela equipe de mergulhadores estava na altura da Praia Vermelha, na Urca, Zona Sul da capital fluminense.
— Vejo a Baía de Guanabara quase como se fosse uma realidade paralela a essa que a gente vive aqui. Mergulhando à noite, encontramos o peixe-morcego, por exemplo. As pessoas que moram aqui ou até mesmo as que visitam a cidade não fazem ideia dessa biodiversidade, ofuscada pelo histórico de poluição — ressalta o diretor do instituto.
Sérgio Ricardo, presidente da Fundação Baía Viva, estima que 18 mil litros de esgoto não tratado são despejados na baía a cada segundo. A esse cenário desastroso somam-se as 90 toneladas de lixo, em especial plástico, que chegam às águas da baía diariamente. Esse bombardeio poluidor, para ele, explica o desastre sofrido pelo ecossistema.
— A Baía de Guanabara está vivendo um processo de sacrifício ambiental já há algumas décadas e que se intensificou a partir dos anos 1970. Por um lado, temos a insegurança alimentar e, por outro, uma situação preocupante do ponto de vista da biodiversidade marinha. A baía recebe um coquetel de poluentes diariamente — analisa Sérgio Ricardo.
Um nome por trás de denúncias de poluição nas águas fluminenses nas últimas décadas, o biólogo Mario Moscatelli considera inegável o cenário de degradação. Ele, no entanto, se mostra otimista em relação ao futuro, com a perspectiva de um projeto de saneamento universalizado e da recuperação de manguezais, que funcionam como filtros da zona costeira:
— Com isso, não tenho dúvida que a vida florescerá com intensidade na baía. Do ponto de vista técnico, não abro mão de afirmar que há perspectiva de recuperação. Mas é preciso ter saneamento e ordenação do uso do solo articulados. Caso contrário, a conta não fecha.
Conheça alguns habitantes do fundo da Baía:
Maria-nagô — Foto: Ricardo Gomes/Instituto Mar Urbano
O Maria-nagô ou anteninha (Pareques acuminatus) é um peixe de pequeno porte presente em costões rochosos ao longo de toda a Baía de Guanabara. A nadadeira dorsal é proeminente quando jovem, mas fica menor quando adulto, ou seja, quanto maior sua “antena” (primeira nadadeira dorsal), mais jovem ele será.
Peixe-morcego — Foto: Ricardo Gomes/Instituto Mar Urbano
Embora não pareça, o peixe-morcego (Ogcocephalus vespertilio) ele é um peixe com suas nadadeiras modificadas, que ajudam que ele se estabilize e se desloque no fundo do mar. Dificilmente são vistos, pois sua camuflagem é seu principal mecanismo de defesa contra predadores. Eles também possuem uma estrutura chamada ilicium, na cabeça, utilizada para atrair as presas.
Polvo-pigmeu do Atlântico
Foi na Baía de Guanabara o primeiro registro continental do polvo-pigmeu do Atlântico (Paractopus sp), que até então apenas habitava regiões insulares. Ele foi encontrado dentro de uma latinha de cerveja, apresentando preferência por resíduos deixados pelo homem, deixando de lado as conchas. Pouco se sabe sobre o seu comportamento.
Raia-Treme- Treme — Foto: Ricardo Gomes/Instituto Mar Urbano
A raia-treme-treme (Narcine brasiliensis) é de pequeno porte, não supera os 50 centímetros de comprimento. Seu mecanismo de defesa é diferente de muitos peixes porque possui órgãos especializados que produzem eletricidade e podem soltar descargas elétricas de até 40 volts de tensão.
Um verdadeiro mestre da camuflagem, o mangagá ou peixe-pedra (Scorpaena plumieri) é capaz de permanecer imóvel mesmo com a aproximação de peixes maiores e mergulhadores. Mas não se engane: este peixe possui glândulas de veneno posicionadas nos primeiros espinhos da sua nadadeira dorsal. Por isso, é preciso ter cuidado onde pisa quando se está andando sobre as pedras submersas das praias. O veneno deste peixe não é letal para nós, mas pode causar fortes dores na região afetada, e até mesmo febre.
A gorgônia-vermelha (Leptogorgia punicea) é um coral que, além de atuar como bioindicador, servindo de alimento para outros organismos, é fundamental para espécies pequenas que precisam de um local seguro e fixo para se proteger. Segundo os pesquisadores, há evidências de que este coral pode estar sendo prejudicado pela invasão de uma espécie de ofiuróide (Ophiotela mirabilis), que compete diretamente com espécies nativas que também utilizam estas gorgônias como fonte de proteção.
Caranguejo aranha — Foto: Ricardo Gomes/ Instituto Mar Urbano
O caranguejo-aranha (Stenorhynchus seticornis) tem uma aparência diferente da dos caranguejos convencionais e se esconde em pequenas tocas dos costões rochosos. Não é incomum observá-los, mas é preciso ter atenção para enxergar estes caranguejos durante o mergulho. Eles são importantes no ecossistema, pois se alimentam de restos e, muitas vezes, criam verdadeiras estações de limpeza para remover restos de alimentos de peixes e outros animais marinhos que param próximos às suas tocas.
Peixe Cangulo-vermelho — Foto: Ricardo Gom/ Instituto Mar Urbano
O cangulo-vermelho (Catherhines macrocerus) apresenta uma coloração laranja bem marcante, com manchas amarelas espalhadas pelo corpo. É possível diferenciar os machos das fêmeas pela coloração bem vívida na região da cauda dos machos, que é usada para atrair as fêmeas.
Rochas com gorgônias, esponjas, ouriços e ascídias coloniais
Rochas com gorgônias — Foto: Ricardo Gomes/Instituto Mar Urbano
Existe uma infinidade de vidas concentrada em apenas um local. Os animais invertebrados como esponjas, gorgônias e ascídias normalmente são pouco apreciados e, muitas vezes, desconhecidos. Embora aparentem ser vegetais, por não se movimentarem ou sequer possuírem olhos e movimentos claros, estes organismos são animais e desempenham papel fundamental na cadeia alimentar, além de serem importantes bioindicadores de qualidade da água.
[ad_2]
Acesse o link