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Pesquisas demonstram que cada vez mais pessoas estão sensibilizadas e preocupadas com a água. Uma espécie de síndrome da água envolve a realidade humana, proporcionando reações de receio diante de um futuro de escassez – e o temor de sua fúria, contida na intempestividade climática.
O desequilíbrio provocado pela humanidade decorre de intenso e contínuo processo de vampirismo ambiental: a extração de recursos e meios de sobrevivência dos mais vulneráveis, por parte dos que não querem abrir mão de seu excesso de consumo, decorrente de práticas insustentáveis. A consequências vão além do abuso aos diretos fundamentais dos seres vivos, provocando ainda intenso desequilíbrio ecossistêmico planetário.
Se os processos coloniais, com ciclos econômicos predatórios, eram exemplo de espoliação natural desenfreada, a prática do colonialismo climático é uma espécie de pirataria global que se abate sobre as condições vitais do equilíbrio ecológico atmosférico.
Na década de 1990, no Estado de São Paulo, estavam bem demarcados o rompimento dos limites naturais: a excessiva vazão das águas do Planalto de Piratininga para a vertente oceânica, visando abastecer as indústrias de Cubatão; e a drenagem da preciosa água dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí para abastecer, via Sistema Cantareira, a megalópole de São Paulo, que continuava a poluir suas águas, sem conseguir manter o mais simples uso social dos rios Tietê e Tamanduateí. Ocupou implacavelmente suas várzeas, de forma especulativa, entregando-as à destruição ambiental da grande cidade e sua especulação imobiliária.
À época, o ambientalista Ricardo Ferraz, do Vale do Paraíba, referia-se frequentemente ao vampirismo ambiental praticado pela metrópole de São Paulo, que drenava recursos alheios e pouco fazia para proteger seus próprios mananciais ao sul, as represas Billings e Guarapiranga.
Quando as Nações Unidas instituíram o Dia Mundial da Água em 1992, durante a Conferência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, havia especial preocupação com a concentração das atividades humanas em áreas metropolitanas.
Era início do Antropoceno. A fase civilizatória das metrópoles concentrava atividades humanas em pequenos espaços geográficos, rompendo a capacidade de suporte dos limites naturais.
Surge então o lado mais escuro do Antropoceno: o fator das mudanças do clima. Na primeira década do século XXI, as alterações se tornaram mais evidentes e surgiu outra preocupação: a de impactos mais ecossistêmicos, decorrentes do crescimento exponencial das vulnerabilidades hídricas globais. Nesse cenário, o Brasil se destaca em função de suas vulnerabilidades ambientais e sociais.
As mudanças climáticas avançaram mais que o esperado pela ciência. Houve forte desestabilização do regime hídrico global, com alternância entre secas e intensas chuvas, destrutivas e trágicas. Os eventos naturais extremos foram fortemente potencializados, com maior intensidade e frequência.
A humanidade passou a discutir, desde 1996, nas cúpulas globais do clima das Nações Unidas (COPs), quais seriam as ações necessárias para reverter o quadro de instabilidade planetária.
Mas as tentativas de avanços corretivos, com a eliminação dos gases efeito estufa, esbarrava nas economias insustentáveis e ambientalmente mal-estruturadas. O apelo ao multilateralismo colaborativo tornou-se ineficiente, subjugado no jogo hegemônico das grandes nações, com avanços pouco pragmáticos e dissociados dos alertas científicos.
Felizmente a humanidade conseguiu vencer o crescente negacionismo contratado pelas indústrias do petróleo. Mas os foros de discussão, as COPs, continuam submetidas às pressões do cartel dos combustíveis fósseis.
As discussões climáticas globais vêm sendo empurradas para serem sediadas em países autoritários, distantes dos valores de direitos humanos, sem expressiva participação social. Prevalece a inércia diante da tempestade que se avizinha. Há evidente retardamento nas medidas prioritárias para a sobrevivência global. A manutenção das economias lastreadas na produção de combustíveis fósseis continua a prosperar, sem ceder às justas reivindicações de aportes financeiros que possam diminuir a penúria dos países mais fragilizados.
Nesse cenário adverso, sentam-se à mesa de negociações nas COPs a hegemônica econômica, enquanto as evidências continuam a se transformar em impactos mensuráveis e maior instabilidade hidrológica.
Veículos de comunicação fazem registros dramáticos do excesso de chuvas e efeito das secas, que vêm atingindo ano após ano diferentes regiões do globo.
As previsões de perda de potencial hídrico, em função da má gestão do solo pela agricultura, estão se tornando irreversíveis. Por exemplo, estima-se que o Cerrado brasileiro, com suas 81 bacias hidrográficas, poderá perder 34% de seu potencial hídrico até 2050. A desertificação também avança sobre a Caatinga do Nordeste. A maior parte da alteração decorre da mudança do clima, mas conta com forte contribuição da atividade agropecuária.
O blecaute hídrico provocado pela agricultura, decorrente da má gestão, sempre provocou duras consequências para a sociedade humana. Douglas Kennett, do Departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, descreve fases críticas da civilização maia: “O papel da seca solapou a economia agrícola maia, mas a desintegração das cidades-Estado desse período se desenrolou ao longo de centenas de anos, impactando a integração entre elas de maneiras muito mais complicadas”.
A água como elemento de estabilidade econômica e de paz para populações é velha conhecida da humanidade. Duros alertas estão sendo assinalados: cenários de escassez se expandem na África Subsaariana, enquanto a Unicef afirma que 190 milhões de crianças estão expostas aos ricos de falta crônica de água em quantidade e qualidade.
Na região norte do Brasil, a Amazônia, debaixo de fortíssimo índice de desmatamento, vem perdendo capacidade de absorver carbono e gerar as massas de umidade que abastecem grande parte do continente sul-americano, dando vida ao Pantanal, à própria bacia do Plata, essencial para a Argentina, Uruguai e Paraguai, além das regiões central, Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil.
Antonio Guterrez, secretário geral da ONU, não poupa palavras duras contra um sistema de gestão irresponsável que considera de “consumo vampírico e uso insustentável” e que a ação climática e a sustentabilidade da água no futuro são “dois lados da mesma moeda”.
É também o que demonstram os alertas recentes do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), contidos no Relatório de Síntese Mudança Climática 2023, descrito pela ONU como manual para desarmar a bomba-relógio climática. A principal ação é o corte pela metade das emissões globais até 2030.
Enquanto isso, nas encostas de Barra do Sahy, em São Sebastião, vítima tupinambá do desequilíbrio global, os desassistidos, depois da tragédia climática, retornaram para suas casas. Tudo continuará como antes. A diferença será sua permanente condição de semivigília, de luta pela vida.
Os avanços da ciência e seus alertas não estão sendo acompanhados por políticas públicas estatais. A Conferência sobre Água que ocorre agora em Nova York parece ter mirado fortemente no estímulo à participação e o controle social. Foca a edição de milhares de ações convergentes e protetivas da sociedade civil, como beija-flores bombeiros em uma floresta em chamas.
Guterrez reconhece a prática do vampirismo ambiental climático: a prática de economias fósseis que alteram drasticamente a face do planeta sem abrir mão do seu modo de vida insustentável.
O Brasil, por sua vez, continua a destruir sua maior fonte de abastecimento hídrico, a Amazônia. Será preciso romper com os círculos viciosos e vampirescos, que ameaçam a segurança hídrica do território nacional e a sobrevivência planetária.
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