O retorno do Varadouro – ((o))eco

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Lido em voz alta por Chico Mendes durante as reuniões sindicais e distribuído por ele próprio nos seringais, o Varadouro – ou o “jornal das selvas”, como anunciava seu slogan – fez história em território acreano. Produzido em plena ditadura para expor o avanço desenfreado da agropecuária na região, o periódico teve sua 24ª e última edição impressa no ano de 1981. Mais de quatro décadas depois, ele está de volta à ativa, agora no site ovaradouro.com.br

Não que estivesse morto. Pelo contrário: desde que deixou de ser produzido, o Varadouro virou teses de doutorado, dissertações de mestrado, ganhou uma documentação especial feita pelo Instituto Vladimir Herzog, foi totalmente digitalizado pela Biblioteca da Floresta – uma instituição pública acreana – e em cada dez livros escritos sobre os conflitos de terra no Acre do governo militar, dez consultaram o periódico. 

Portanto, durante todas essas décadas, o “nanico da floresta” permaneceu muito vivo. Inclusive na cabeça de um de seus fundadores, Elson Martins. Hoje com 85 anos, o jornalista acreano há tempos sonhava com a retomada do jornal. “Já estava virando uma mania”, brinca ele, que durante dois anos convidava estudantes de jornalismo para ir à sua casa e os incentivava a criar um projeto nos moldes do Varadouro. 

Mas veio a pandemia, os encontros cessaram e Elson teve de segurar os anseios. “Meu sonho era ter um jornal com as temáticas que o Varadouro abordava, falando de meio ambiente, indígenas, seringueiros, as histórias e vivências da Amazônica”, diz. Até que a pandemia passou e a campainha de Elson Martins tocou. Do outro lado da porta, era o jornalista conterrâneo Fabio Pontes, que chegava justamente com a proposta esperada. 

Fabio Pontes, novo editor-executivo da Varadouro, segura uma edição antiga do jornal. Foto: Divulgação.

Novidades e desafios

De uma geração mais nova, formado em Jornalismo nos anos 2000, Fabio não viveu os tempos do Varadouro. Mesmo assim, o jornal atravessou sua formação. “O Varadouro é um jornal referência para todo jornalista da Amazônia. Foi vanguardista, marcou a história da região. Sempre fui fã e admirador”, conta. 

Inspirado pelo “nanico da floresta”, Fabio almejava tocar um projeto jornalístico feito na Amazônia, sobre a Amazônia. “A gente vê muitos jornais cobrindo as questões daqui com uma visão estereotipada, clichê”, diz. Cansado deste olhar externo e equivocado, tomou coragem e foi bater à porta de Elson, propondo retomar o antigo periódico. Mesmo sem se conhecerem pessoalmente, foi recebido de braços abertos. 

Prontamente, Elson Martins topou a empreitada: “Passei para ele a coleção completa digitalizada e o incentivei a ir em frente. Disse que eu ajudaria com arquivos, textos e o Varadouro poderia enfim voltar como um movimento, com novas gerações de jornalistas”, conta o precursor. A empolgação da dupla era tanta que o jornal ressuscitou em tempo recorde. A primeira conversa entre os dois foi em março. Quatro meses depois, o novo Varadouro já estava no ar. 

Assim como na versão original do periódico, a retomada veio com muito ânimo, mas pouco dinheiro. Com a bênção concedida pelo fundador, Fabio começou a correr atrás de outros colaboradores que se engajassem enquanto os recursos não vêm. Além do próprio Elson que virou Conselheiro Editorial e colunista, a nova versão do nanico já conta com repórteres no Amazonas, Rondônia e, claro, no Acre. 

“Hoje nosso principal desafio é nos sustentar financeiramente”, diz Fabio. A estratégia é transformar o Varadouro em uma associação com CNPJ para facilitar a captação de recursos. E buscar editais e projetos que financiem iniciativas jornalísticas na Amazônia. 

O “nanico” voz da floresta.

Mas para além do papel tradicional da imprensa, o novo projeto pretende expandir sua atuação para estreitar o diálogo com a sociedade, especialmente a população que vive no Norte do país. Estão planejadas oficinas, palestras, visitas a escolas e universidades com o objetivo de contrapor algumas narrativas que historicamente se consolidaram na região, com apoio da imprensa local. 

“Não adianta fazer jornalismo sobre Amazônia só para quem está fora daqui. Temos que falar com quem está aqui. De forma geral, infelizmente há uma visão da sociedade local pró-agro, pró-desmatamento, com um discurso de que a floresta é responsável por deixar a região na pobreza”, diz Fabio. “O Varadouro volta para ser uma voz dissonante, fazer oposição, desconstruir esse pensamento que foi consolidado ao longo de cinco décadas”.  

Para este embate, o precursor Elson Martins ressalta que alguns princípios do Varadouro precisam continuar na linha de frente do novo projeto. A linguagem popular, o engajamento e o protagonismo dos povos da floresta devem ser a base desta retomada. 

“A Amazônia só será salva se tiver o apoio maciço dos ribeirinhos, dos indígenas, dos seringueiros, dos extrativistas. São eles que conhecem a Amazônia, e o antigo Varadouro só teve reconhecimento pela luta dessas pessoas”, diz o experiente jornalista. 

E Fabio, como novo editor-executivo, diz que está atento a essas diretrizes: “Queremos fazer com que o povo da Amazônia se veja refletido no Varadouro. Seja pela fotografia, pelos textos, pela linguagem coloquial, cabocla. Queremos fazer jornalismo com cheiro do Acre, da floresta, da borracha, do rio, do barranco. Nossa identidade continuará sempre fiel a estes princípios”, afirma. 

Como disse o famoso cartunista Henfil quando conheceu o antigo Varadouro, na década de 1970: o Varadouro é uma verdadeira invenção acreana. 

Redação da Varadouro. Foto: Divulgação.

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