- Duas espécies de tartarugas foram descobertas recentemente no Pará; a última, a perema-do-pará, foi encontrada no sul do estado, uma das regiões mais devastadas da Amazônia.
- Além do desmatamento, as tartarugas amazônicas sofre com o represamento de rios para a construção de hidrelétricas e o aquecimento global — o aumento da temperatura em que os ovos ficam incubados pode extinguir a população de machos das espécies.
- Na Amazônia brasileira há 21 espécies de quelônios e 16 delas são endêmicas, muitas ainda pouco estudadas; conhecer o papel dessas espécies no ecossistema é o caminho para definir estratégias de conservação.
“Eu penso, eu vivo, eu trabalho com tartaruga. Nas férias, eu trabalho com tartaruga”, conta o pesquisador e ribeirinho Fábio Andrew Cunha, tratando de justificar porque, em 2018, num suposto momento de descanso, decidiu ir ainda mais fundo em sua pesquisa sobre esses animais. “Eu estava na casa dos meus avós e falei: não vou ficar aqui à tarde sem nada para fazer. Eu vou sair atrás de tartarugas.”
E assim foi: o biólogo já pesquisava quelônios há 10 anos quando então passou a dedicar especial atenção a espécies pouco estudadas da Amazônia, das quais havia dados escassos sobre taxonomia, biologia e história natural. Passou a buscar também espécies desconhecidas.
A primeira etapa dessa busca se concretizou naquele mesmo 2018, em março, quando, ao apalpar o fundo de lagoas de águas turvas com a ajuda de ribeirinhos em Juruti, oeste do Pará, descobriu a Mesoclemmys jurutiensis, espécie nova para a ciência que ele descreveu pela primeira vez num artigo publicado em 2021.
Durante as pesquisas para confirmar o ineditismo da espécie, Fábio fez uma peregrinação por museus científicos brasileiros e, quando entrou no Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, o pesquisador teve uma surpresa: num camburão do acervo do museu havia uma outra espécie de tartaruga ainda não catalogada. “Quando eu bati o olho, eu vi que era outra espécie nova!”, conta.
Essa espécie era a perema-do-pará (Mesoclemmys sabiniparaensis), que havia sido encontrada na Serra das Andorinhas, Unidade de Conservação estadual no município de São Geraldo do Araguaia, no sul do Pará — uma espécie de oásis verde incrustado numa das áreas mais devastadas da Floresta Amazônica, o Arco do Desmatamento. Fábio deixou o feito registrado em um artigo publicado no final de 2022.
Fábio chama a atenção para o fato de essa nova espécie ter sido descoberta numa das áreas de maior alteração da paisagem dentro do bioma amazônico. “A gente está falando ali de mineração em grande escala, de pecuária, de desmatamento, de especulação imobiliária, de alteração muito forte da paisagem, dos rios e da floresta primária”, comenta Fábio. “É importante mencionar que a espécie já habita uma área afetada.”
Um evento a ser celebrado
“As tartaguras correspondem a um grupo pouco diverso quando comparamos à grande diversidade dos Squamata, que abrange lagartos e serpentes. No entanto, com estudos mais acurados e novas técnicas, ainda é possível descrever novas espécies de tartaruga, como foi o caso da perema-do-Pará”, diz Ana Lúcia Prudente, pesquisadora titular e coordenadora de Zoologia do Museu Goeldi.
“Embora o trabalho de analisar material em acervos científicos seja uma rotina na vida de um taxonomista, a descoberta de nova espécie sempre corresponderá a um evento que deve ser celebrado por toda a comunidade científica”, acrescenta.
A perema-do-Pará, com o comprimento do casco alcançando até 17 centímetros, é a menor entre as tartarugas do gênero Mesoclemmys. Chama a atenção a carapaça e a cabeça pretas em contraste com o amarelo, que colore a parte de baixo do seu corpo.
“Estamos falando de um grupo que tem uma importância muito grande do ponto de vista biológico e do ponto de vista cultural para a região amazônica”, diz Fábio. “A biodiversidade e a taxa de endemismo é muito alta. Na Amazônia brasileira há 21 espécies de quelônios e 16 são endêmicas. A diversidade é muito alta e pouco se conhece das espécies”.
Professor da Universidade Federal do Maranhão e também autor do estudo, Marcelo Costa Andrade fala sobre a importância de conhecer as espécies usando a metáfora de um treinador de futebol, que precisa conhecer os integrantes do seu time para obter sucesso no jogo.
“A gente precisa conhecer a espécie, entender que é uma unidade taxonômica distinta do que a gente já conhecia para depois a gente entender qual a função dela no ecossistema e, a partir disto, propor estratégias de conservação”, afirma.
Panela de pressão
“A Serra das Andorinhas é uma área muito importante. É um oásis, está dentro de uma panela de pressão, dentro do Arco do Desmatamento, e ela sofre a pressão dos que exploram a região”, fala Marcelo sobre a Unidade de Conservação de 24 mil hectares. “Por mais fragmentada que esteja, uma área de proteção ambiental é algo muito vantajoso para a proteção das espécies”.
Especialistas contam que todas as espécies de tartarugas da Amazônia sofrem impactos relacionados à cultura da região: os animais adultos são vendidos no comércio ilegal para consumo de sua carne, os ovos são colhidos para alimentação e os filhotes são usados como pet, inclusive para venda no mercado internacional.
Outras ameaças aos quelônios amazônicos são o desmatamento, a pecuária em grande escala e o represamento de rios para a construção de hidrelétricas, que inunda os possíveis sítios reprodutivos de desova. Além disso, o aquecimento global.
“O aquecimento global tem impactado diretamente muitas dessas espécies porque a determinação sexual é influenciada pela temperatura em que os ovos ficam incubados”, explica Fábio. “Então, a gente pode estar gerando um processo de feminização das populações de tartarugas e, se isso ocorrer nos próximos anos, pode ocasionar a extinção de espécies porque não haverá machos pra fazer a cópula”.
Por ser uma espécie recém-descoberta, ainda é muito cedo para determinar se a perema-do-Pará é uma espécie exclusiva da região do Arco do Desmatamento.
“Se uma área grandemente impactada já consegue revelar para a gente novas espécies, o que dizer de áreas na região amazônica que nunca foram estudadas, que ainda estão de certa forma intactas aos olhos humanos?”, pergunta Fábio.
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