Os ministros Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), finalizaram na tarde desta quinta-feira (31) seus votos no julgamento do Marco Temporal, aumentando o placar para 4 votos contrários e 2 a favor da tese.
Centenas de indígenas presentes em Brasília comemoraram os resultados desta tarde na Suprema Corte. As celebrações, no entanto, foram entremeadas por declarações de repúdio contra as falas do ministro Gilmar Mendes durante o julgamento, classificadas como “preconceituosas”.
O voto de Barroso contra a tese já era conhecido, já que em junho passado ele deixou escapar seu entendimento antes que o julgamento fosse paralisado por pedido de vista de André Mendonça.
Durante sua argumentação, Barroso reforçou o direito originário ao território dos povos indígenas, independente da presença física na data da aprovação da Constituição de 1988.
Além de Zanin e Barroso, também votaram contrários à tese os ministros Edson Fachin, relator da ação, e Alexandre de Moraes. Os dois únicos votos a favor do Marco Temporal foram dados pelos ministros indicados por Jair Bolsonaro: Nunes Marques e André Mendonça.
Declaradamente contrário às populações indígenas, Bolsonaro chegou a afirmar a cavalaria brasileira foi “incompetente”. “Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em seu país”.
As terras indígenas são consideradas “escudos” de proteção da biodiversidade. Dentro de seus territórios na Amazônia, por exemplo, ainda estão conservadas as porções mais protegidas da floresta.
Cinco ministros ainda faltam votar no julgamento do Marco Temporal: Rosa Weber, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Luiz Fux.
Destes, é sabido que ao menos Rosa Weber deve votar favoravelmente aos povos indígenas – contra o marco, portanto. Com sua aposentadoria prevista para setembro e a complexidade do tema, é esperado que ela antecipe seu voto. Ocupando atualmente a presidência do STF, Weber seria a última a votar.
Marco temporal é a tese que considera serem passíveis de titulação apenas as Terras Indígenas ocupadas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Organizações indígenas em todo país consideram a tese injusta, já que muitas sofreram deslocamentos forçados e não ocupavam suas terras originárias na data da promulgação da Carta Magna brasileira.
“Os votos do ministro Zanin e Barroso trazem esperança e confiança muito grande para os povos indígenas […] O tema do Marco Temporal parecia estar com um encaminhamento muito difícil, mas os ancestrais sempre estiveram junto aos povos indígenas e nunca nos abandonaram nos momentos difíceis. O dia é de vitória e celebração”, diz a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.
Falas de Gilmar Mendes geram repúdio
Cerca de 800 indígenas estão em Brasília para acompanhar a votação no STF. As falas do ministro Gilmar Mendes durante o julgamento, no entanto, ofuscaram suas comemorações.
Ao comentar o voto de Zanin, Gilmar Mendes fez declarações consideradas “racistas, injustas e preconceituosas”.
O ministro questionou o trabalho de antropólogos, disse que indígenas da Raposa Terra do Sol estão em lixões da cidade – informação desmentida por lideranças posteriormente -, falou mal de uma liderança indígena de reconhecido trabalho no país e defendeu a mineração dentro de territórios ocupados pelas populações originárias.
“Nós criamos um tabu para explorar essas áreas, que poderiam ser exploradas, diz a Constituição, para que os índios [sic], inclusive, auferissem proveito da lavra. E aí geram-se essas lendas urbanas de que em toda área indígena tem minérios, todas essas riquezas que não podem ser exploradas, quando poderiam ser exploradas”, disse o ministro.
A possibilidade de exploração de minérios dentro de Terras Indígenas está, de fato, na Constituição. Não há, no entanto, legislação regulamentando a prática e diversas organizações indígenas já se manifestaram contrárias a ela. Em 2020, ((o))eco produziu uma reportagem com 10 perguntas e respostas sobre o assunto.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, o Conselho Indigenista Missionário e outras organizações indígenas repudiaram as falas do ministro.
“A @ApibOficial e suas organizações repudiam de forma veemente, com a força de todos os povos e dos nossos ancestrais, as falas racistas, injustas e preconceituosas do Ministro do STF, Gilmar Mendes”, declarou a organização, em sua conta no Twitter.
Outros pontos sem consenso
Além da validade da tese do Marco Temporal, outro ponto ainda precisa alcançar entendimento entre os ministros do STF: a indenização a não-índios ocupantes de terras que foram demarcadas.
O tema não estava no voto do relator, o ministro Edson Fachin, mas apareceu nos votos de Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso.
Não está claro se o julgamento será retomado na próxima semana.
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