A demora em retornar ao Brasil quase 40 animais apreendidos este ano na América do Sul e na Ásia ameaça suas vidas e pode dificultar o inquérito sobre as rotas de tráfico e a origem dos espécimes, dizem especialistas.
Em meados de julho, 29 araras-azuis-de-lear e 7 micos-leões-dourados foram confiscados no Suriname. Antes, em maio, outras três araras-de-lear foram flagradas em Bangladesh, informou ((o))eco.
“Isso leva ao declínio populacional e genético das espécies e causa impactos significativos na conservação da biodiversidade e dos ecossistemas”, diz a bióloga Mara Marques, presidente da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB).
Passados quase três meses desde a primeira apreensão, os animais seguem enjaulados naqueles países. No Suriname, todos estariam vivos, dizem as fontes ouvidas pela reportagem. Em Bangladesh, seu estado é desconhecido.
A demora preocupa especialistas na conservação das espécies. Elas não podem ficar muito tempo em locais apertados, precisam de comida e manejo corretos. Caso contrário, podem se ferir, contrair doenças e morrer.
“Os cuidadores podem não ter expertise com animais de outros países. Cada dia piora a situação. Sua repatriação é urgente”, alerta o doutor em Zoologia pela Universidade de São Paulo (USP), Luís Fábio Silveira.
A dor de cabeça é compartilhada pelo secretário-executivo da Associação Mico Leão Dourado (AMLD), Luís Ferraz. “Não sabemos de suas condições. Quanto antes voltarem, melhor será para a saúde deles”, destaca.
A demora também pode emperrar seu retorno à natureza e as investigações sobre os casos de tráfico. Se e quando voltarem ao Brasil, os animais passarão por quarentenas e avaliações de saúde.
Caso tenham boas condições, poderão voltar a seus ambientes, as araras na Caatinga e os micos na Mata Atlântica. Algo inviável se ficaram muito tempo aprisionados, como sugerem ao menos as imagens dos micos-leões-dourados.
“A pelagem amarelada mostra que estavam em cativeiro antes do tráfico. Eles perdem sua cor alaranjada por falta de vitamina D”, explica Luíz Ferraz. Isso ocorre por alimentação e exposição ao sol inadequadas.
“Os animais estão aparentemente habituados às pessoas, o que traz risco para sua soltura na natureza. A manutenção ex situ [em cativeiro] seria a mais segura”, avalia Mara Marques, da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil.
Além disso, análises forenses poderão apontar se os animais vieram do cativeiro ou da natureza, se eram do mesmo grupo ou se foram capturados isoladamente. A tecnologia identifica igualmente madeiras e outros produtos.
“Mas isso também é postergado enquanto os animais não voltam ao Brasil”, destaca Luís Silveira, pesquisador e professor no Departamento de Zoologia da USP.
O ICMBio comentou por e-mail que a repatriação dos animais “está em tratativas”. O Ibama e a Polícia Federal também foram consultados, mas não se pronunciaram até a publicação da reportagem.
((o))eco levantou que araras e micos devem eventualmente voltar do Suriname num voo da Força Aérea Brasileira (FAB), já que empresas convencionais não teriam aceitado trazê-los.
O esforço é focado nos animais apreendidos no país sul-americano. O destino das araras em Bangladesh é incerto. “Não se toca no assunto. Parece que não existem”, reclama Silveira diante da falta de informações de órgãos federais.
Caminhos tortuosos
As apreensões surpreendem pela distância a que chegaram os animais e também pelas quantidades flagradas. As 32 araras-azuis-de-lear somam quase 1,5% de sua população na natureza, estimada em 2,2 mil aves.
“Especialistas de países como Inglaterra, Suíça, África do Sul, Israel e Estados Unidos estão estarrecidos com quantos animais foram traficados”, conta Luís Silveira, da USP. Os caminhos que percorreram são ainda mais cinzentos.
Micos-dourados e araras-de-lear passaram pela Guiana até chegar ao Suriname. É o que avalia uma fonte desse país, que não será identificada pois investiga o tráfico internacional de espécies.
“A Guiana foi usada como passagem para os animais, antes de um destino na Europa. Voos regulares não devem ter sido usados pelo maior risco de apreensões”, comentou a ((o))eco por WhatsApp.
Estradas secundárias e voos privados foram os meios mais prováveis do tráfico. “São bichos endêmicos, grandes e que demandam cuidados especiais. Saíram do Brasil com grande esquema logístico”, pondera Silveira, da USP.
Por terra, os animais podem ter deixado o país pela área entre Bonfim (Roraima) e Lethem (Guiana). Dali, teriam seguido ao norte e chegado ao Suriname através da fronteira pelo rio Corentyne.
“As 3 araras-de-lear podem ter chegado a Bangladesh usando a mesma rota [sul-americana] das apreendidas no Suriname. Suspeito que [as três] fizeram parte de uma primeira tentativa de tráfico”, avalia a fonte surinamesa.
A Europa é um grande destino de animais roubados da natureza em todos os continentes, mostrou ((o))eco. “Inúmeros também acabam enjaulados e mortos na Índia e na China”, conta Luís Silveira, da USP.
As apreensões de espécies ameaçadas e que só vivem em regiões específicas mostram que é urgente reforçar a vigilância dentro e nas fronteiras do país. “Foi uma grande ‘bola nas costas’ da fiscalização”, avalia Silveira.
“O governo precisa atuar com firmeza contra a captura ilegal, dar um exemplo de trabalho sério contra o tráfico de espécies tão simbólicas”, afirma Luís Ferraz, secretário-executivo da Associação Mico Leão Dourado (AMLD).
Para Mara Marques, da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (AZAB), o tráfico precisa ser enfrentado com uma abordagem multidisciplinar e coordenada, monitoramento, inteligência e aplicação rigorosa da lei.
“A perda da biodiversidade pelo tráfico de animais silvestres é a perda do patrimônio brasileiro e de todos os cidadãos. Além da fiscalização pelo poder público, cabe a todos nós o combate a esta ação predatória”, completa.
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