Governos e setor privado emperram há duas décadas a criação de uma reserva federal que abrigaria pescadores, extrativistas e floresta amazônica na periferia da capital São Luís (MA). Enquanto isso, a região pode ganhar mais indústrias e portos para exportação e importação de commodities.
O destino de comunidades tradicionais e de 17 mil hectares de floresta equatorial na capital maranhense dependem de um julgamento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Em pauta, está a criação da Reserva Extrativista (Resex) Tauá-Mirim.
Esse tipo de área protegida é reconhecido por lei federal e resguarda vidas e culturas humanas associadas ao uso equilibrado de recursos naturais, especialmente pelo extrativismo, criação de animais e agricultura de pequeno porte.
A reserva empresta o nome da ilha de Tauá-Mirim, na costa sudoeste do município de São Luís, entre o Estreito dos Coqueiros e a Baía de São Marcos (mapas acima e abaixo).
Planos para preservar a área vêm desde 2003, mas batem de frente com projetos de portos, rodovias e ferrovias para exportar commodities da Amazônia e do Matopiba – região entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia -, e importar itens industrializados como fertilizantes e agrotóxicos.
“A proteção da Resex afeta o coração desses planos, mas beneficiará a vida de cerca de 15 mil pessoas”, avalia o pesquisador Horácio Antunes, do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), vinculado à Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Em fevereiro de 2018, a Justiça Federal fixou um ano para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Governo do Maranhão tirarem a reserva do papel. Caso isso não ocorresse no prazo, a multa diária seria de R$ 50 mil, para cada um.
A sentença foi baseada em denúncia do Ministério Público Federal (MPF) sobre a lentidão para proteger a ilha. Isso beneficiaria povoados como Taim, Portinho, Embaubal, Rio dos Cachorros, Limoeiro e Porto Grande.
Os órgãos públicos recorreram da sentença em março e agosto do mesmo ano. O MPF pediu a derrubada dos recursos em junho de 2019. Todavia, passados quase 4 anos, o impasse ainda não foi apreciado pelo desembargador do TRF1 Carlos Augusto Pires Brandão, em Brasília (DF).
Operação tartaruga
Na sentença de 2018, o juiz federal Ricardo Rodrigues Macieira questionou os anos de morosidade, obrigou o ICMBio a criar a reserva e sujeitou o Governo do Maranhão a não remover qualquer população tradicional da área a ser legalmente protegida.
Em seus recursos, a autarquia federal e a administração estadual afirmaram em coro que a sentença interfere em seus poderes constitucionais. O ICMBio disse não haver lentidão no processo e ter “adotado todas as medidas necessárias à criação” da reserva.
O governo maranhense, por sua vez, admitiu que a área é alvo de projetos para expansão da infraestrutura portuária, uma atividade que seria “de extrema importância para o desenvolvimento econômico do Maranhão”.
Um parecer da Secretaria do Desenvolvimento, Indústria e Comércio do Maranhão (Sedinc), de 2013, descreve que a área projetada à reserva é vizinha de um distrito industrial com mais de uma centena de empresas e carente de mais portos para comércio global.
“A área rural do município de São Luís pode ser reduzida em 41% este ano, abrindo mais espaço à expansão industrial e portuária sobre parte da região onde deve ser criada a reserva extrativista”, revela Horácio Antunes, do GEDMMA e professor de Sociologia e Antropologia na UFMA.
A criação da reserva extrativista é barrada pelos governos do Maranhão desde a segunda administração de Roseana Sarney (2009-2011), quando assumiu o mandato no lugar do cassado Jackson Lago.
Estudos técnicos, vistorias, consultas públicas e reuniões entre órgãos de governo foram realizados ao longo dos anos para implantar a reserva, como pede a legislação e descreve a sentença de 2018 da Justiça Federal.
Drama portuário
Parte da comunidade do Cajueiro também poderia viver na reserva de Tauá-Mirim, mas vem sendo removida desde 2014 pelo projeto de um megaporto privado, apoiado pelo Governo do Maranhão.
Na época, havia 250 pessoas na área das obras. Apenas uma família resiste hoje no território, alvo de investigações sobre grilagem de terras e desrespeito às legislações ambiental e de direitos humanos, mostra reportagem do especial Tierra de Resistentes.
“Aquelas famílias foram obrigadas a deixar a área e viver nas periferias da capital. A grande maioria recebeu indenizações irrisórias”, diz Horácio Antunes, do GEDMMA.
O terminal era da China Communications Construction Company (CCCC) e da brasileira WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais, mas foi adquirido em 2021 pelo grupo Cosan para exportar minério de ferro da Serra dos Carajás, no Pará.
O TRF1, o ICMBio e o Governo do Maranhão não atenderam aos nossos pedidos de entrevista até o fechamento da reportagem.
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