Tirolesa do Pão de Açúcar na mira da Justiça

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Anunciada como um “presente” para a cidade, a badalada multitirolesa do Pão de Açúcar, muito antes de ser concluída, foi embargada pela Justiça Federal com base em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal em virtude de denúncia apresentada pelo Grupo Ação Ecológica (GAE), entidade ambientalista sediada no Rio de Janeiro. A Cia. Caminho Aéreo Pão de Açúcar (CCAPA), empresa que há mais de um século opera o célebre bondinho, apresentou recurso ao TRF contra a liminar concedida pelo Juízo da 20ª Vara Federal do Rio de Janeiro, mas este foi rejeitado pelo Tribunal, tal a solidez dos argumentos oferecidos pelo MPF.

Duas foram as razões básicas para o embargo, cada uma delas capaz de, sozinha, ensejar o desfazimento de tudo o que já foi construído e a recomposição, tanto quanto possível, da feição natural da rocha antes das desastrosas intervenções promovidas nos morros do Pão de Açúcar e da Urca pela CCAPA.

A primeira decorre do fato de que os dois morros foram tombados em 1973 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, segundo o disposto no Decreto-Lei nº 25, de 1937, “as coisas tombadas não podem ser destruídas, demolidas ou mutiladas”, sendo o próprio Iphan, em tese, o principal responsável pela observância dessa imposição legal. Ocorre que a empresa, que nunca informou ao Instituto ou a quem quer que seja que haveria necessidade de grandes cortes e perfurações na rocha para implantação da tirolesa, começou a esburacar os dois morros sem autorização, o que descumpre claramente o Decreto-Lei nº 25 por se tratar de uma ostensiva mutilação dos bens tombados. Isso, em tese, configura crime capitulado na Lei de Crimes Ambientais, o que ensejou o pedido de abertura de Inquérito Policial contra a empresa pelo MPF.

O volume de rocha previsto para ser extraído nos dois morros era de cerca de 160 m³, equivalentes a 53 caçambas dessas que se colocam nas ruas para receber entulho, e o que efetivamente havia sido removido pela empresa até o momento do embargo foram cerca de 128 m³, o equivalente, de acordo com a métrica empregada pelo MPF na ação, a “27 caixas d’água com capacidade para 4.710 litros cada.” Ou seja, um volume colossal, que não permite que se tergiverse sobre ter havido mutilação ou não.

Entretanto, o Iphan, quando “descobriu” através de denúncias veiculadas nas redes sociais (e apenas através delas) o que a CCAPA estava fazendo, em vez de embargar definitivamente a obra, multar a empresa e determinar a recomposição do que já fora vandalizado, como era a sua obrigação, em um gesto que deixou a todos perplexos, expediu autorização para que a empresa prosseguisse com os danos! Por essa razão, o Instituto e os servidores envolvidos também são alvo de investigação no mesmo IPL.

Parte das obras no Morro da Urca, antes de serem ocultas por espessas lonas verdes. Essa plataforma foi construída sobre a rocha nua aflorante. Imagem: Reprodução da internet.

A segunda razão para o embargo também é contundente, e veio como uma surpresa tanto para a empresa quanto para os opositores da tirolesa. O geólogo Antonio Carlos Magalhães, coautor do único trabalho existente sobre a geologia estrutural do Pão de Açúcar e adjacências, e fundador de uma das principais empresas de consultoria do país nas áreas de geologia estrutural e geotecnia, apontou, em dois pareceres, que as fundações do grande aparato construído para sustentar a tirolesa, especialmente no Pão de Açúcar, careciam de sondagens e outros estudos técnicos prévios indispensáveis para orientar a elaboração do respectivo projeto. A própria empresa de engenharia contratada para esse fim afirmou, candidamente, que projetou tudo com base em “inspeções visuais”. Por essa razão, o especialista conclui o seu parecer recomendando “a imediata interdição da obra por razões de não se garantir a segurança geotécnica dessa estrutura de multitirolesa, podendo ocasionar no futuro um acidente de proporções catastróficas.

A grave denúncia foi acolhida pelo MPF e, não surpreendentemente, a perita do Centro Nacional de Perícias do Ministério Público Federal designada para analisar o caso concordou com a tese do risco existente na obra, concluindo, em suma, que “deixaram de ser atendidos pontos essenciais para a segurança das obras de execução da tirolesa.”

Portanto, se cabalmente confirmada pela Justiça a pertinência da acusação, isso despedaçará de forma espetacular o mito da infalibilidade técnica da empresa. Aguardemos.

É possível que vidas sejam salvas por isso, e o prefeito Eduardo Paes, que já se declarou fã da tirolesa, deveria ser o primeiro a rever a sua posição e pedir a remoção das estruturas semiacabadas nos dois morros, hoje ocultas das vistas de todos por espessas lonas verdes solidamente amarradas, que agora empesteiam a imagem de um dos principais cartões postais da cidade que ele administra. Paes, que afirmou que “não faria novamente a Ciclovia Tim Maia”, que, como sabemos, sem que ninguém esperasse, desabou catastroficamente matando duas pessoas, deveria ser grato à oportunidade que se lhe está sendo oferecida: a de, neste caso, não ter nem a primeira ciclovia, evitando o risco de agregar mais óbitos ao seu currículo.

Aguarda-se, agora, o desfecho da ação civil na qual o MPF pede que a empresa elabore um Plano de Recuperação da Área Degradada e um novo Plano Diretor a ser debatido previamente com a sociedade; a anulação de todas as licenças, o que inclui aquelas concedidas por uma penca de órgãos municipais; e que Iphan e CCAPA paguem multa em valor não inferior a R$50 milhões, o montante que a empresa diz ter investido no projeto, “pelos danos morais e materiais irreversivelmente causados”.

Um alienígena que desembarcasse hoje no Rio, e graças à sua condição intelectual excepcional aprendesse todas as leis e normas administrativas brasileiras de uma tacada só, se perguntado qual seria o desfecho dessa ação, diria, com o sorriso daqueles que são confrontados com questões fáceis, que “é claro que tudo aquilo que foi pedido pelo Ministério Público será concedido pela Justiça, sem pestanejar”.

Mas não somos de outro planeta, somos brasileiros. Daí que é importante haver certo comedimento nas justas comemorações pelas duas significativas vitórias judiciais já obtidas, que premiaram o esforço abnegado e inteiramente voluntário, por muitos meses, de um enorme grupo de pessoas – arquitetos, urbanistas, advogados, ambientalistas, geólogos, montanhistas, moradores do entorno, políticos e outros – que se uniram para contestar os planos de uma empresa poderosa, que tem a seu soldo dois dos maiores escritórios de advocacia do Rio; um dos maiores escritórios de arquitetura do país; agência de publicidade; muitos empregados próprios e que até recrutou um “especialista de relacionamento com comunidades”. Ainda há um longo caminho a ser percorrido até que a justiça seja de fato feita, mas esse caminho é traiçoeiro e nele tudo pode acontecer.

Seja como for, a famigerada tirolesa serviu ao menos para despertar o olhar de incontáveis pessoas para o extraordinário patrimônio estético, paisagístico e ambiental que esses dois morros representam para o Rio de Janeiro e para o Brasil, e os riscos de isso se perder se não nos mantivermos atentos e atuantes. Enquanto outras cidades do mundo investem pesado na renaturalização das suas áreas urbanas, de forma a trazer de volta ao convívio diário dos cidadãos, na medida do possível, plantas e animais nativos, no caso do Pão de Açúcar a aposta da empresa, com o beneplácito do prefeito, é no sentido oposto: o de uma antropização maciça da inigualável paisagem natural com que a população carioca foi abençoada em benefício exclusivo de interesses privados.

Além da tirolesa, há todo um Plano Diretor (“Masterplan”) pavoroso apresentado pela CCAPA ao Iphan para as três estações do teleférico – Pão de Açúcar, Morro da Urca e Praia Vermelha, de onde parte o bondinho – que, se aprovado, implicaria em um aumento de área construída em cada uma delas de cerca de 50%. Há, ainda, todo um passivo ambiental acumulado desde 1973, ano de tombamento dos dois morros pelo Iphan, a ser revisto, como as grandes tendas brancas instaladas em caráter “provisório” para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, e que lá permanecem até hoje graças à leniência do Iphan, bem como o impactante e supérfluo heliporto instalado no topo do Morro da Urca em 1991.

Tudo isso, porém, será objeto de um artigo futuro. Por ora, seguimos na torcida pelo pleno êxito da brilhante ação civil pública impetrada pelo Dr. Sergio Suiama, da Procuradoria da República no Rio de Janeiro.

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